terça-feira, 25 de maio de 2010

O Confucionismo no Vietnã Nguyễn

Imagem: Palácio Thai Hoa na Cidadela Imperial (Huế, Vietnã)

Fonte: Diogo Farias

A Dinastia Nguyễn governou o Vietnã de 1802 a 1945, entretanto abordaremos neste post o período entre 1802 e 1848, para assim caracterizar o Estado Nguyễn anterior a colonização francesa. Como foi trabalhado no post anterior vimos que a civilização chinesa influenciou a cultura vietnamita - apesar do Vietnã desenvolver seu próprio conceito de Estado-nação -, agora veremos como o Estado Nguyễn foi influênciado pelo Confucionismo e pela organização burocrática Qing.

Minh Mạng comparava o Vietnã com as antigas cidades-estados da época dos Zhou, demonstrando a ideia de que participava de uma grande comunidade confuciana formada pelo Vietnã, China, Japão e Coréia. A monarquia vietnamita combinava duas diferentes tradições políticas: o centralizante mandato do “Filho do Céu” chinês e a menos centralizante “liderança comunal”. Gia Long (1802-1820), Minh Mạng (1820-1841) e Thiệu Trị (1841-1847) utilizaram conceitos chineses de doutrina política. Os três adotaram o titulo de hoàng đế (Huangdi), expressão sino-vietnamita usada como título imperial e que retratava o caráter divino dos imperadores da China tradicional. Outro termo de origem chinesa usado pelos Nguyễn foi o thiên tự (tianzi) ou “Filho do Céu”.

Os imperadores Nguyễn adotaram teorias políticas chinesas para a legitimar o seu poder, porém diferenciavam-se dos imperadores chineses através da teoria da dupla soberania. Além do uso do título
hoàng đế, de origem chinesa, os imperadores Nguyễn utilizaram o termo vua, uma criação vietnamita. Este termo era comumente utilizado pelos camponeses para se referirem a uma espécie de figura protetora, não existindo um termo similar em chinês. O vua estava mais próximo do quotidiano dos camponeses vietnamitas do que o huangdi estava perante o dos chineses. Com a combinação destas duas tradições, os três deveres do líder vietnamita eram: resistir a dominação política da Corte chinesa, preservar o bem-estar e modo de vida do povo, introduzir e “vietnamizar” a cultura chinesa.

O imperador era o líder religioso, o legislador e o juiz supremo, mas sua autoridade possuía certos limites. A mais importante era a noção confuciana do Mandato Celeste (
thiên mạng): o imperador era o Filho do Céu (thiên tự), investido por um “mandato” para manter a ordem cósmica, desta forma, não reinava pelo bem de seus súditos, mas era o “pai e mãe” de seu povo. As calamidades públicas eram interpretadas como um aviso do Céu: o imperador era responsabilizado pessoalmente pela sua injustiça e tirania, provocando a miséria e a desordem; se falhasse em sua missão, o governante perdia o Mandato Celeste e o povo teria o direito de revolta. O segundo limite era a autonomia comunal: a comuna () forma uma unidade religiosa, política e económica centrada na autoridade da casa da comuna (poder local). Desde a conquista da sua autonomia no século XVIII, o vua deveria respeitar os costumes de cada comuna. Os assuntos internos de cada comuna eram discutidos pelo Conselho dos Notáveis. A hierarquia e a unidade dos poderes era um constante jogo de controles e contrapoderes entre a autoridade dos mandarins e dos líderes comunais.

Nos primeiros 40 anos do século XIX, os Nguyễn promoveram duas grandes reformas nacionais, a primeira conduzida por Gia Long e a segunda por Minh Mạng. Ambos compartilhavam um objetivo comum: encontrar uma forma de organizar e governar uma nação com um território grande, como nunca haviam dominado anteriormente, e os dois reis utilizaram medidas diferentes para tentar cumprir seus objetivos.

Gia Long formou sua personalidade durante a guerra civil contra os Tây Sơn (1771-1801), sendo menos influenciado pelo pensamento confuciano em comparação aos seus sucessores. Em 1802, proclamou-se imperador e em seguida ordenou a construção de uma cidade proibida vetnamita em Huê. A cidadela imperial teve sua construção influenciada pelos princípios da geomância chinesa, e foi inagurada em 1805. Organizou seu governo central como na época dos Lê, através dos seis ministérios. O Ministério Pessoal escolhia os funcionários, conferia os títulos, redigia os éditos e as patentes. O Ministério das Finanças cuidava do tesouro público, da coleta dos impostos e da fixação dos preços. O Ministério dos Ritos organizava as cerimónias e os exames. O Ministério das Armas recrutava os soldados e velava pela conservação da ordem. O Ministério da Justiça ocupava-se das leis, das penas e da revisão dos processos. O Ministério dos Trabalhos Públicos cuidava da construção das obras públicas, cidadelas e juncos de guerra.

Imagem: Porta Ngo Mon na Cidadela Imperial (Huế, Vietnã), nota-se a semelhança com a Cidade Proibida de Beijing
Fonte: Diogo Farias

Imagem: Cidade Proibida (Beijing, China)
Fonte: Diogo Farias

Os ministérios eram dirigidos por um presidente, dois vice-presidentes e dois assessores. Este conselho tomava as decisões e o desentendimento de um único membro causava a necessidade de levar o caso ao soberano. Além dos ministérios havia o Tribunal dos Censores, que era encarregado de formular relatórios sobre o comportamento dos funcionários da Corte e das províncias; inspecionando todo o sistema administrativo e relatando-o ao imperador.

Imagem: A Organização da Burocracia Vietnamita
Fonte: WOODSIDE, Alexander, Vietnam and the Chinese Model: A Comparative Study of the Vietnamese and Chinese Civil Government in the First Half of the Nineteenth Century (Cambridge: Havard University Press, 1988).

Gia Long não desenvolveu mais a centralização do poder, para não suscitar reações locais em um país recentemente unificado. A Corte Real implementou uma reforma na organização do aparato estatal e da rede administrativa. Dividiram o país em três zonas, de acordo com diferenças regionais e culturais. As localidades adjacentes à capital ficaram em controle direto da Corte. O Norte (Đông Kinh) e o Sul (Gia Định) eram zonas especiais administradas por autoridades representando a Corte, mas que controlavam estas regiões com grande poder e autonomia.

No Norte, onde a conquista ainda era recente, Gia Long tentou ganhar a população através de várias medidas: exonerações de impostos, distribuição de terras e atribuição de títulos honoríficos aos descendentes dos Lê e dos Trịnh. O governo-geral do Norte chamava-se Bắc Thành e estava dividido em treze
trấn. Nas províncias do delta, o imperador escolhia como funcionários os antigos magistrados dos Lê, enquanto nas outras a administração ficava com chefes locais.

O governo-geral do Sul chamava-se Gia Định Thành e estava dividido em apenas cinco
trấn. O Bắc Thành e o Gia Định Thành eram administrados por um governador-geral e os trấn eram divididos em prefeituras, sub-prefeituras, sub-prefeitura de montanha, cantão e comuna. Desde o século XVIII, a administração dos cantões e das comunas estavam confiadas à seus próprios eleitos (líderes locais).

O governo de Gia Long produziu duas contradições insolúveis: a) de um lado, o Imperador queria concentrar o poder em suas mãos; de outro, foi forçado a compartilhar seu poder com os dois governadores-gerais, em Đông Kinh e em Gia Định. b) o Imperador queria prosseguir uma política de portas abertas para os países ocidentais, mas tinha que respeitar as práticas confucianas. Por causa destas contradições o sucesso de suas políticas foi consideravelmente diminuído.

Em 1820, quando Minh Mạng subiu ao poder, o domínio dos Nguyễn já estava solidificado. Neste contexto, o Imperador tentou resolver estas contradições a sua maneira, iniciando novas reformas. Minh Mạng eliminou o sistema tripartido e dividiu o país em 31 províncias diretamente ligadas ao poder central, através de um regime centralizado e autoritário. Sua administração tomou especial atenção em usar a lei para preservar a ordem social e para a integração da burocracia. Os dois governadores-gerais, que possuíam uma certa independência, foram suprimidos. Em cada
tỉnh (província) a autoridade ficou a cargo de um militar e de um oficial civil.

Imagem: o "Grande Trono" do Palácio Thai Hoa da Cidadela Imperial (Huế, Vietnã)
Fonte: Diogo Farias

Rapidamente as forças regionalizantes iniciaram uma oposição contra as reformas centralizadoras de Minh Mạng. Lê Văn Duyệt, antigo comandante militar na guerra contra os Tây Sơn, era contra a indicação de Minh Mạng como príncipe herdeiro. Quando Minh Mạng subiu ao poder, logo tratou de se livrar do seu opositor, enviando-o de volta para Gia Định. Em 1833, logo após a morte de Lê Văn Duyệt, uma grande revolta tomou conta do Sul do império, contra os esforços da Corte Nguyễn em abolir as autonomias regionais. A revolta foi liderada por Lê Văn Khôi, que era filho adotivo de Lê Văn Duyệt. O líder da revolta pediu apoio aos missionários ocidentais e para o Sião; seu objetivo era proclamar o filho do Príncipe Cảnh, primeiro filho do Imperador Gia Long, governante legítimo do Vietname. Khôi morreu em 1834, em Saigão, e sua revolta durou até o ano seguinte. Esta crise política foi consequência do faccionismo que surgira dentro da Corte Nguyễn e das medidas centralizadoras de Minh Mạng.

Os mandarins formavam o quadro geral da administração e tinham acesso aos cargos através de exames públicos. Estes oficiais públicos possuíam muitas regalias, por exemplo, a família de um funcionário estava isenta do pagamento de impostos e do serviço militar. Os concursos regionais e centrais ocorriam a cada 3 anos, sem distinção de origem social. Todos os letrados apresentavam-se para os concursos, somente aqueles que fossem aprovados adquiriam uma função pública. A média era de 50 aprovados em cada dez mil candidatos, uma taxa de aprovação de 0,5%.

Os Nguyễn recebiam algumas embarcações de mercadores estrangeiros, porém estes estavam subordinados a condições bem precisas. Certos portos cobravam taxas aduaneiras e os estrangeiros deviam apresentar uma lista de mercadorias, para que sua entrada fosse permitida. Não era permitido comprar certos produtos, como arroz ou circular livremente pelo país. Os particulares eram desencorajados do comércio e o Estado negava o direito a posse de armas, o que piorava ainda mais as condições de comércio. O monopólio real não aniquilou o comércio privado através da intermediação de mercadores chineses, que continuaram operando clandestinamente, controlando o comércio do Vietnã e do Sião.

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