segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A conquista do al-Andalus


Imagem: Estátua de Ṭāriḳ ibn Ziyād em Tétouan (Marrocos)

Fonte: www.skyscrapercity.com

As Fontes:

Estudar o período inicial da presença muçulmana na Península Ibérica é uma tarefa muito complicada, pois as diferentes fontes sobre este período trazem informações contraditórias; consequentemente, esta situação dificulta determinar precisamente as circunstâncias e o contexto da conquista muçulmana do al-Andalus.

A dificuldade em traçar a História da conquista do al-Andalus resulta, essencialmente, da ausência de textos contemporâneos, como também de relatos feitos num período relativamente próximo aos fatos descritos (com a exceção de duas fontes cristãs: a Chronica byzantia-arabica de 741 e a Continuatio Hispana de 754 – entretanto, estes textos são relativamente curtos). As fontes árabes mais antigas que chegaram até nós, o Futūḥ Miṣr do egípcio Ibn ʿAbd al-akam e o Taʾrīkh de Ibn Ḥabīb da edição de al-Māghamī, ambas do século IX, baseiam-se em lendas ou exageram algumas situações. As fontes disponíveis são geralmente trabalhos escritos muito tempo após a chegada do exército muçulmano na Península, o que cria a necessidade de justapor estes relatos, que não são uniformes e possuem procedências muito diversas, para, enfim, reconstruir o desenrolar dos fatos. Neste caso, dois textos anônimos são fundamentais para estudar o primeiro século da presença muçulmana no al-Andalus, o Akhbār madjmūʿa e o Fatḥ al-Andalus. Segundo Molina, a opnião dos estudiosos em relação a estes textos são divergentes: alguns acreditam que estes relatos se baseam numa antiga versão escrita das tradições orais, outros afirmam que estas são simples compilações tardias baseadas em textos mais antigos (P. Chameta, Invasión e islamización, 50; L. Molina, Los Akhbār madjmūʿa y la historiografía árabe sobre el período olmeya en al-Andalus, in al-Qanṭara, x <1989>, 513-543, e o Estudio desta edição do Fatḥ). Entretanto, apesar desta aparente desordem, alguns fatos podem ser reconstituídos de maneira satisfatória.

al-Andalus:

Segundo Joaquín Vallvé, o termo al-Andalus - grosso modo, utilizado pelos muçulmanos, principalmente durante o período medieval, para denominar a Península Ibérica - já aparece em tradições atribuídas à Muammad e em poesías árabes pré-islâmicas ou do início do período islâmico. Todas estas fontes são anteriores a 711 e, portanto, apontam à uma origem oriental que não tem nada a ver com a teoria que sustenta que o termo al-Andalus deriva dos vândalos, porque estes cruzaram a Península Ibérica a caminho da África em 429.

O nome al-Andalus aparece nestas fontes orientais e nas primeiras que narram a conquista muçulmana como nome de uma ilha, Djazīrat al-Andalus (Ilha al-Andalus), ou de um mar, Bar al-Andalus (Mar al-Andalus). Através da análise de fontes grecolatinas, árabes e romances, Vallvé acredita que Djazīrat al-Andalus é uma tradução pura e simples de "Ilha do Atlântico" ou Atlântida, resultado de uma transmissão literária do mito de Platão.

Aliado à transmissão do mito de Atlântida, os povos do Mediterrâneo oriental mantinham a crença de que haveria uma ilha, ou restos dela, além das Colunas de Hércules (Gibraltar). As fontes árabes do Norte da África e as fontes hispanoárabes identificam claramente o Bar al-Andalus com o Oceano Atlântico.

Antecedentes:

A Península Ibérica fora uma das regiões mais ricas e desenvolvidas do Império Romano Ocidental. Nos três séculos que antecederam a vinda dos muçulmanos, esta região tinha sido dominada por diversos povos de origem germânica, dentre estes, os que tiveram o maior sucesso em impor o seu domínio foram os visigodos.

A situação política da Península Ibérica do final do período visigótico (séculos V-VIII) era razoavelmente estável e, exceptuando uma pequena incursão bizantina contra Cartagena, durante dois séculos não se registrou qualquer invasão extrapeninsular. Por outro lado, havia muitas terras desocupadas e poucos povoados - estes eram relativamente pobres e humildes se comparados com o período romano. Os recursos agrícolas eram, em muitos casos, negligenciados ou subexplorados. Existiam também regiões, especialmente nas montanhas ao norte, onde viviam os bascos e os asturianos, que segundo Kennedy, eram povos totalmente independentes de qualquer forma de dominação e onde uma primitiva sociedade de montanha resistia vigorosamente a qualquer jugo exterior.

O Norte da África:

Imagem: A conquista do Norte da África - para uma melhor visualização, clique duas vezes no mapa
Fonte: NICOLLE, David, Atlas Histórico del Mundo Islámico (Madri: Edimat Libros, 2005).


A conquista da Península Ibérica pelos muçulmanos foi talvez inevitável desde o dia em que o general árabe, ʿUḳba b. Nāfiʿ, deteve-se nas praias do Atlântico, em 681. Segundo Wheatcroft, um tradicional relato dessa expedição informa que o comandante muçulmano entrou a cavalo na água, brandiu a espada em direção ao oceano vazio e gritou: “Deus é grande. Se este mar não detivesse meu avanço, eu continuaria a cavalgar até os reinos desconhecidos do Ocidente, pregando a unidade de Deus e passando a fio de espada as nações revoltosas que cultuem em qualquer outro deus que não Ele”. Assim, a expansão muçulmana deveria redirecionar a sua rota, desta forma a Península Ibérica passaria a ser um objetivo natural.

Antes da chegada dos muçulmanos, a região dos atuais Estados da Líbia, da Tunísia, da Argélia e do Marrocos estava ocupada por dois grupos: bizantinos e berberes. Os bizantinos detinham uma série de redutos na costa, onde os dois mais importantes eram Trípoli e Cartago. Na época de Justiniano (483-565), os bizantinos reconquistaram as terras que estavam sob domínio dos vandalos e organizaram um complexo sistema de defesas nas zonas meridionais das áreas povoadas, mas estas teriam sido abandonadas no século VII, quando se iniciaram os ataques muçulmanos.

Os berberes (berber/barbar) detinham o verdadeiro poder da região. Alguns berberes foram aculturados no mundo bizantino, muitos deles adotaram o cristianismo; porém a maioria daqueles que habitavam as regiões mais isoladas continuavam pagãos. Havia berberes que moravam em cidades, entretanto a maioria deles vivia no campo, praticando a agricultura ou criando carneiros e cabras nas estepes; ou, ainda, alguns eram nômades, como ainda são os tuaregues (do árabe, ṭawāriḳ; do berbere, tawāreg).

A conquista do norte da África iniciara-se logo em 642, quando o conquistador do Egito, ʿAmr b. al-ʿĀ, chefiou uma expedição na Cirenaica (grosso modo, atual Líbia). Dali enviou um exército até Zawila (um oásis povoado do Sul) comandado por ʿUḳba b. Nāfiʿ. A conquista do Norte da África foi difícil, em parte por causa de disputas políticas entre os muçulmanos, porém deve-se considerar a forte resistência oferecida, quer pelas tribos berberes do interior, quer pelas guarnições das cidades bizantinas como Trípoli e Cartago. Como afirmou Kennedy, mais do que os outros comandantes árabes, ʿUḳba deve ter compreendido que a melhor forma para dominar o Norte da África seria atraindo o apoio das tribos berberes. Em 670, o general fundou a colônia muçulmana de Ḳayrawān longe da costa, na planície central da Tunísia, para servir de base para futuras campanhas.

Em 681, ʿUḳba chefiou um espetacular ataque, que estendeu seu domínio até Tânger (Ṭandja), apesar de não ter sido organizado colônias muçulmanas para além da moderna Tunísia. Foi sua última e maior proeza, mas a sua memória perdurou, e os seus filhos continuaram a desempenhar um papel decisivo no Norte da África. Seguiu-se um período em que os árabes quase foram expulsos da região, e a própria Ḳayrawān caiu nas mãos do chefe berbere Kusayla (ou Kasīla). Os muçulmanos não retomariam a iniciativa senão em 694, altura em que o califa ʿAbd al-Malik, enviou um exército de sírios comandado por assān b. Nuʿman al-Ghassānī. Este capturou o último posto avançado bizantino em Cartago e derrotou um poderoso chefe berbere, a "feiticeira" al-Kāhina, estabelecendo-se firmemente em Ḳayrawān, em 701. Seu sucesso não acorreu só graças às suas tropas sírias mas também em virtude da política de colaboração com os berberes.

assān foi demitido pelo governador do Egito em 704, provavelmente por causa do seu sucesso, sendo substituído por Mūsā b. Nuayr. Mūsā nasceu em 640; seu pai fazia parte do séquito de Muʿāwiya, o fundador da Dinastia Omíada (Banū Umayya). Mūsā foi apontado pelo califa ʿAbd al-Malik para coletar o kharādj (impostos) em al-Bara, entretanto, sendo suspeito de fraude, fugiu e refugiou-se com o irmão do califa, o governador do Egito ʿAbd al-ʿAzīz b. Marwān; este entregou Mūsā para o califa na Síria, que lhe deu cerca de 100.000 dinares (dīnār) como gratificação. ʿAbd al-ʿAzīz doou metade da quantia para Mūsā e levou-o para o Egito, onde o nomeou como governador da Ifrīiya, anteriormente governada por assān b. Nuʿman. Vários observadores não entraram em acordo sobre a data do seu apontamento ao cargo, mas, de acordo com Lévi-Provençal, possivelmente este fato deve ter ocorrido em 698 ou no ano seguinte. Mūsā prosseguiu com a política de assān de recrutar berberes convertidos para os exércitos muçulmanaos, usando esta nova força para estender o seu domínio mais para oeste. Ocupou Tânger em 708, e nomeou como seu governador um aliado berbere chamado Ṭāriḳ ibn Ziyād.

A conquista do Norte da África fora alcançada através de uma aliança entre árabes e berberes em nome do Islã. À medida que aquela prosseguia, aumentava também o importante contributo berbere. Na altura em que os muçulmanos estavam a conquistar a região correspondente ao atual Marrocos, é provavel que a maioria esmagadora dos elementos do seu exército fosse berbere. Estas tropas compostas por berberes recém-convertidos ao Islã recebiam uma parte do saque, mas apenas alguns deles, como Ṭāriḳ ibn Ziyād, teriam ocupado posições de relevância política.

Os conquistadores alimentavam-se de outras conquistas, o domínio muçulmano no Norte da África teve de se expandir para sobreviver. Se o saque se esgotasse e não surgissem novas oportunidades, então os grupos e tribos lutariam entre si, o que ameaçaria a unidade do império.

Ṭāriḳ ibn Ziyād e a conquista do al-Andalus:

De acordo com a maioria das fontes históricas, Ṭāriḳ ibn Ziyād era um cliente berbere de Mūsā b. Nuayr, que atuou como comandante militar, sob ordens do seu superior, na conquista do Maghrib. Quando Mūsā retornou para Ifrīiya, este delegou à Ṭāriḳ um contigente de tropas, em sua maioria berberes, para defender Tânger. De sua base, Ṭāriḳ manteve contato com o governador de Ceuta, o lendário Conde Juliano. Este último, era provavelmente um governante visigodo, vassalo do rei de Toledo que incitou Ṭāriḳ a invadir a Península. Ibérica. Segundo a tradição, Juliano queria vingar a sua honra, porque o rei dos visigodos violara sua filha.

Algumas versões alegam que Mūsā colocou o projeto em prática ao receber uma autorização do Califa (Khalīfa), em Damasco (Dimashḳ al-Shām). Mas o desenrolar dos fatos faz parecer que Ṭāriḳ atuou por iniciativa própria sem esperar pelo consentimento do seu superior. Antes da expedição de Ṭāriḳ houve uma ou mais incursões menores nas região costeira do al-Andalus, a mais significativa foi, de acordo com muitos autores, liderada por Ṭarīf, outro comandante bérbere, em 710. Ṭarīf liderou um pequeno contigente de 400 soldados de infantaria e cem de cavalaria levemente armados e levando consigo um suprimento mínimo de alimentos e água e nenhum equipamento pesado. Sem encontrarem resistência, logo encheram seus navios com uma enorme quantidade do produto de suas pilhagens. A incursão de Ṭarīf indicava que um ataque surpresa mais organizado ao continente espanhol resultaria em grandes lucros (Wheatcroft).

Imagem: A Conquista da Península Ibérica - para uma melhor visualização, clique duas vezes no mapa

Fonte: NICOLLE, David, Atlas Histórico del Mundo Islámico (Madri: Edimat Libros, 2005).

Finalmente, na primavera do ano seguinte (em Abril de 711), com um exército provavelmente formado somente por soldados bérberes, Ṭāriḳ cruzou o Estreito com embarcações oferecidas por Juliano e desembarcou aos pés de uma montanha que posteriormente veio receber o seu nome, Gibraltar (Djabal Ṭāriḳ). Numerosas fontes árabes concordam com o número de embarcações utilizadas, quatro, e o número da força expedicionária estaria entre 7000 e 12.000 soldados, porém não podemos excluir a possibilidade deles serem apenas algumas centenas. Ao que parece o desenbarque ocorreu de forma tranquila, onde cada embarcação fez cerca de uma dúzia de viagens; possivelmente durante vários dias e sem muita resistência dos habitantes da região. Para Molina, a invasão foi realizada de forma relativamente tranquila, independentemente da conivência ou indiferença da população local.

Imagem: Gibraltar (território britânico)
Fonte: members.virtualtourst.com

O rei visigodo Rodrigo (ou Roderico), que na época estava lutando no norte da Península contra os bascos, apressadamente teve que liderar suas tropas contra os muçulmanos, que já haviam construído uma fortaleza em Gibraltar, de onde conduziam pequenas razias na região para obter provisões. O confronto ocorreu no final do Ramaḍān e no início de Shawwāl (Julho) perto de um rio, que provavelmente pode ser identificado com o Guadalete ou com o Barbate; mas, em todo caso, muito próximo da base muçulmana. Tudo indica que dentro de três meses, as tropas de Ṭāriḳ moveram-se muito pouco, dando tempo para os visigodos organizarem um grande exército - os muçulmanos não aproveitaram o elemento surpresa, o que estratégicamente foi uma decisão imprudente. Parece que a derrota do exército de Rodrigo ocorreu por causa da traição dos filhos do penúltimo rei dos visigodos, Witiza, que não aceitavam a escolha de Rodrigo como sucessor de seu pai - as informações sobre quem eram os filhos de Witiza e seus aliados são contraditórias, entre os principais nomes destacam-se Agila e Oppa. O grupo conhecido como "Filhos de Witiza" tinha como objetivo eliminar Rodrigo e dominar toda a Península.

Após a derrota do rei Rodrigo, o controle da Península Ibérica seria disputado pelos "Filhos de Witiza" e Ṭāriḳ. O próximo estágio do itinerário do comandante berbere foi atacar Écija, onde os remanescentes das forças visigodas haviam refugiado. Esta batalha foi tão dura como a de Guadalete, e novamente a vitória esteve do lado muçulmano, que, de acordo com algumas fontes, foram ajudados pelas tropas de Juliano. Depois desta batalha não havia nada que impedisse o avanço de Ṭāriḳ; este dividiu suas forças em quatro grupos, que partiram para Málaga, Granada, Córdoba (sob o comando de Mughīth al-Rūmī) e para Toledo (liderados por Ṭāriḳ).



Imagem: Ponte Romana de Córdoba (Espanha).
Fonte: Diogo Farias

É curioso que os visogodos não se procurassem em defender eficazmente suas cidades ou reunir um segundo exército. Além da resistência nas montanhas setentrionais, que inicialmente não foi conduzida pelos visigodos, somente Córdoba e Mérida ofereceram uma resistência significante. Os números são são nada grandiosos: o grupo de Mughīth, que atacou Córdoba, teria apenas 300 homens, que não teriam conquistado a cidade se o governante local reunisse mais de 400 para defendê-la. A situação da cidade de Córdoba não era melhor, a ponte romana estava destruída e havia um grande buraco em suas muralhas. Quando os muçulmanos chegaram a Orihuela, o governador Teodemiro tinha tão poucos homens, que vestiu mulheres de soldados e colocou-as nas muralhas. A capital do reino visigodo, abandonada pelos seus dignatários, caiu sem resistência nas mãos de Ṭāriḳ. Talvez esta situação fosse em parte resultado da falta de população armada, ou se esta existisse, não estaria qualificada para eliminar a ameaça.


Imagem: Toledo (Espanha).
Fonte: themaskedlady.blogspot.com


O declínio de Ṭāriḳ:

De acordo com várias fontes, o comandante muçulmano continuou sua marcha em direção ao norte, alcançando Guadalajara e depois Astorga. Segundo alguns relatos, Ṭāriḳ pediu reforços para Mūsā b. Nuayr, com o intuito de consolidar o domínio da Península. Outros afirmam que Mūsā manifestou uma grande irritação ao saber do avanço de seu subordinado e o ordenou a não avançar mais até a sua chegada. Em Junho de 712, Mūsā desembarcou na Península com cerca de 18.000 soldados, predominantemente árabes.

O encontro entre Ṭāriḳ e Mūsā b. Nuayr ocorreu em Toledo ou em suas cercanias. Parece que Mūsā reprimiu o seu subordinado, provavelmente porque o seu sucesso ameaçava a posição do seu superior. A seguir, a figura de Ṭāriḳ tornou-se obscura, talvez eclipsada por seu superior, que junto a ele fora chamado para prestar contas ao califa em Damasco; os dois abandonaram a Península Ibérica em 714. O último ato conhecido de Ṭāriḳ foi seu envolvimento em um julgamento contra Mūsā, provocado possivelmente pelo ressentimento e pela humilhação que sofrera em Toledo - neste tribunal, Ṭāriḳ participou como acusador de seu antigo superior.

Segundo Joaquín Vallvé, Mūsā deixou no al-Andalus seu filho ʿAbd al-ʿAzīz, que se estabeleceu em Sevilha, onde parece que se casou com a viúva do rei Rodrigo ou com sua filha, chamada Egilona. Seu objetivo era legitimar o domínio árabe e consagrar o novo emirado como herdeiro direto da monarquia visigoda. Consolidou as conquistas de seu pai e a tradição lhe atribui a conquista de Évora, Santarém, Coimbra e outras cidades portuguesas. Foi acusado de abandonar as tradições árabes por influência de sua esposa, quando adotou o uso de uma coroa e obrigou os nobres a inclinarem-se diante de sua presença, entretato outros autores afirmam que ele não quis reconhecer o novo califa de Damasco, Sulaymān, por este ter ordenado a prisão e a tortura de seu pai e de seu irmão. O certo é que foi assassinado em Março de 716, na Igreja de Santa Rufina que fora consagrada mesquita pouco tempo antes.

O êxito da conquista:

Segundo Manuela Marín, o êxito do Islã se explica, em primeiro lugar, por causa da situação desagradável que alguns grupos da sociedade peninsular viviam sob o domínio dos visigodos: o peso dos impostos, a condição humilhante dos servos, a discriminação contra os judeus e as contínuas sublevações dos bascos e de povos pagãos do norte, faziam com que esta população não se sentisse representada pelo grande projeto de unidade peninsular dos godos e dos hispanoromanos.

Um fator que pode explicar a ausência de resistência foi que os visigodos não teriam levado suficientemente a sério a invasão. Os adversários visigodos de Rodrigo tinham esperanças de que os invasores o derrotassem e partissem, deixando-os no comando, e é interessante que esta atitude era partilhada pelo menos por alguns invasores. Parece que Ṭāriḳ teve de convencer Mūsā a deixar os muçulmanos instalarem-se no al-Andalus.

De um modo geral, os muçulmanos ofereciam condições generosas que, sem dúvida, tornavam a rendição numa opção mais atraente, ao passo que a resistência vã podia levar a morte, como descobriram os defensores de Córdoba. No al-Andalus, parece que os "Filhos de Witza" puderam manter a posse de suas terras, na região de Múrcia, as condições resumiram-se à autonomia local; em Mérida, os habitantes conseguiram conservar suas posses, mas as propriedades dos que tinham morrido a combater pela cidade, dos que tinham fugido para o norte e das igrejas foram confiscadas. Nas fases finais da conquista, muitos senhores visigodos da região do vale do Ebro seriam autorizados a conservar as suas terras e posições, e em breve se converteram ao Islã. Excetuando-se a ação contra as terras da Igreja, as populações locais puderam conservar a posse das suas terras desde que pagassem uma contribuição fundiária e um imposto de capitação aos conquistadores.

Bibliografia:

  • MOLINA, L., "Ṭāriḳ b. Ziyād", The Encyclopaedia of Islam (CD-ROM), ed. BEARMAN, P. J., BIANQUIS, Th., BOSWORTH, C.E., DONZEL, E. van, HEINRICHS, W.P. (Leiden: Brill, 2005).
  • LÉVI-PROVENÇAL, C., "Mūsā b. Nuayr", The Encyclopaedia of Islam (CD-ROM), ed. BEARMAN, P. J., BIANQUIS, Th., BOSWORTH, C.E., DONZEL, E. van, HEINRICHS, W.P. (Leiden: Brill, 2005).
  • PLAJA, Fernando Díaz, A Vida Quotidiana na Espanha Muçulmana (Lisboa: Editorial Notícias, 1995).
  • REILLY, Bernard, Cristãos e Muçulmanos: A Luta pela Península Ibérica (Lisboa: Editorial Teorema, 1996).
  • KENNEDY, Hugh, Os Muçulmanos na Península Ibérica: História Política do al-Andalus (Mira-Sintra: Publicações Europa-América, 1999).
  • WHEATCROFT, Andrew, Infiéis: O Conflito entre a Cristandade e o Islã, 638-2002 (Rio de Janeiro: Imago Editora, 2004).
  • NICOLLE, David, Atlas Histórico del Mundo Islámico (Madri: Edimat Libros, 2005).
  • VALLVÉ, Joaquín, La Conquista y sus Itinerarios (http://www.almendron.com/historia/medieval/invasion_arabe/ia.htm).
  • MARÍN, Manuela, últimas teorías (http://www.almendron.com/historia/medieval/invasion_arabe/ia.htm).
Obs: Os termos em árabe foram "romanizados" através do sistema de transliteração da Encyclopaedia of Islam. A partir deste post em diante, o padrão da EI será aplicado em todas as transliterações do árabe.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Ibn Battuta e o crescimento econômico da China

"Não há no mundo um povo mais rico do que o chinês"
Ibn Battuta (século XIV)

O viajante tangerino relatou o potêncial econômico da China e dos chineses a mais de 600 anos atrás. Durante a maior parte da História a balança comercial entre Ocidente e Oriente sempre foi deficitária para o Ocidente. Esta situação começou a mudar quando os ingleses passaram a vender ópio para China. Com a derrota na Guerra do Ópio, o advento do Imperialismo; e depois com a queda da Dinastia Qing, a disputa do território chinês por "senhores da guerra" (warlords), a ocupação japonesa e a Revolução Comunista fizeram a China perder o seu papel preponderante na economia mundial. A abertura econômica da China e suas impressionantes taxas de crescimento, que os editores do The Economist declararam como "o mais significante desenvolvimento desde Revolução Industrial", relatam o retorno de um gigante após um longo período de hibernação - que na perspectiva da História da China é um período relativamente curto. Neste contexto, outro gigante asiático que acorda para recuperar seu posto é a Índia.

Hoje, a China está a recuperar o papel de potência econômica que ela sempre desempenhou, porém agora, o "empreendedor" PCC abriu suas fronteiras, o antigo confucianismo imperial que atuou em diversos períodos da História como um "freio de mão", foi abandonado. O confucionismo imperial minimizou a importância da proteção legal da riqueza e da propriedade e falhou em proteger o crédito e instituições financeiras necessárias para investimentos em larga escala. Atualmente, os valores confucianos (valores asiáticos) continuam a pregar a harmonia, mas esta tem como objetivo a prosperidade. Deng e seus acessores foram particularmente inspirados pelo governo chinês autoritário de Cingapura, que combina o rápido crescimento econômico com um forte controle social e político. Cingapura invocou os valores confucianos como meio de manter a ordem social através de um poderoso sistema hierárquico. O pensamento de Lee Kuan Yew (ex-primeiro ministro de Cingapura, 1959-1990) não apenas influenciou Beijing, mas também Hanói (Vietnã) e Rangum (a atual capital de Myanmar é Naypyidaw). Hoje em dia ser mercador, ou melhor enriquecer é a meta de cada vez mais chineses. A ilusão de igualdade social foi substituída pela ilusão da igualdade de oportunidades.