terça-feira, 27 de abril de 2010

A Democracia na Tailândia

A Segurança Nacional

A consolidação da democracia na Tailândia dependeu do relacionamento entre as elites do Estado e as elites do poder. Os oficiais militares e da burocracia criaram o primeiro governo constitucional em Junho de 1932, quando foi abolida a monarquia absolutista. Tratava-se de uma constituição interina, que ficou em vigor apenas 4 meses. A Segunda Constituição, de Dezembro de 1932, não apresentou nenhuma transferência significante de poder, apenas alguns príncipes foram removidos de seus cargos. O principal grupo de oposição ao governo constitucional era a aristocracia, que temia perder seus privilégios.

Uma crise política entre os líderes da revolução ocorreu em 1933, quando um Golpe de Estado antecedeu às eleições. Os militares tomaram o poder e a 2ª Guerra Mundial serviu de justificativa para o golpe. A Segunda Constituição sobreviveu apenas 14 anos, quando, em 1946, a Assembléia Nacional resolveu atualizar a Constituição. Este período é interpretado como uma temporária tentativa da coalização civil de estabelecer novas instituições que diminiuriam o poder dos militares. Foi a única vez que uma constituição tailandesa foi retirada ou restituída de maneira pacífica, todas as outras foram postas em vigor através de golpes. De 1946-73, apenas um grupo dominou a administração estatal, nenhuma organização atuou como intermediária entre Estado e sociedade, limitando o desenvolvimento da democracia.

Um importante fator que limitou o progresso democrático foi o lento desenvolvimento de uma burguesia independente - a burguesia era formada, em sua maioria, por chineses, assim o governo receava a crescimento de sua influência. Os chineses utilizaram seu poder econômico para criar partidos chineses ou de maioria chinesa. A legalização dos partidos políticos ocorreu apenas em 1955, mesmo assim os partidos deveriam ser registrados no Ministério do Interior, que era responsável por modular os atos dos partidos políticos e as leis eleitorais. Este modelo persistiu durante toda a Guerra Fria e os militares justioficavam o poder como defensores dos três pilares do país (nação, religião e a monarquia constitucional) contra a ameaça comunista.

Imagem: General Sarit Thanarat
Fonte: orientalhotel.wordpress.com

Mas os militares estavam divididos entre si: em Setembro de 1957, o chefe das Forças Armadas, o General Sarit Thanarat, orquestrou um golpe de Estado. Sarit dissolveu o Parlamento e seu grupo ficou no poder de 1957-68, através de uma constituição draconiana. Neste período não foram realizadas eleições e apenas em 1968 uma nova Constituição foi promulgada.

Durante os anos 60, a burocracia rapidamente expandiu o seu poder através do Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico. Esta época é caracterizada pela concentração do poder nas mãos do primeiro-ministro, onde o poder administrativo e político estavam centralizados. Durante o final dos anos 60 e começo dos anos 70, ocorreu um crescimento de um sentimento antiditadura e um levante organizado por estudantes e intelectuais estourou em 1973. Como consequência da agitação política o Parlamento começou a ganhar mais peso nas decisões políticas.

Com a mudança do poder político da Junta Militar para um efêmero governo civil apontado pelo Rei (Outubro de 1973), o poder político estava dividido entre dois grupos: as elites políticas, legitimadas pelo processo democrático, e as elites do estado, legitimadas por seu mandato legal de seus serviços. Mas a nascente democracia foi vítima de uma coalização fraca, que levou à uma polarização política e ideológica. Em 1976, estudantes, camponeses e trabalhadores retornaram às ruas, motivados por uma certa desilusão pela democracia, que culminou em um massacre de estudantes da Universidade Thammasat. Em Outubro de 1976, um regime ultra-autoritário de direita assumiu o governo através de um golpe. A conquista de Saigon pelo Vietnã do Norte foi a base ideológica para um longo período violento, demonstrando que três anos não foram suficientes para a democracia criar suas raízes.

Imagem: General Kriangsak
Fonte: orientalhotel.wordpress.com

A Constituição de 1978 assegurava a partilha de poder entre o Estado e as elites políticas: ocorriam eleições regulares, mas a constituição não estipulava que o primeiro-ministro deveria ser eleito. Esta constituição caracterizou o período semidemocrático, onde líderes do Exército eram escolhidos para o cargo de primeiro-ministros - General Kriangsak e General Prem. Nesta época, os partidos políticos não conseguiam transformar sua força eleitoral em força política, porque o primeiro-ministro geralmente escolhia militares como senadores.

Imagem: General Prem

Fonte: orientalhotel.wordpress.com

A ascensão do ideal democrático


Durante os anos 80, as elites burocrata e militar procuravam manter seu controle sobre as elites políticas através da combinação de estratégias: 1) as elites do Estado ocupavam posições estratégicas no Departamento Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; no Ministério de Finanças e Ministério do Orçamento 2) as elites do Estado interagiam com os interesses dos setores comerciais, o Comitê de União entre Público e Privado representava o interesse de 3 classes: banqueiros, comerciantes e donos de indústrias.

A legitimidade do governo do General Prem desmoronou após anunciar duas vezes a dissolução do Parlamento, novamente, em 1988, estudantes e intelectuais foram às ruas. O General Prem recusou um novo apontamento para o cargo de primeiro-ministo e a aliança entre militares, a burocracia e os capitalistas dissolveu em 1989. É importante ressaltar que a situação de paz na Indochina eliminou a legitimação do governo pela questão da segurança. O General Chatichai Choonhavan se tornou o primeiro-ministro, beneficiando-se de um boom econômico resultante do contexto de paz na península. Seu governo era baseado na crítica à corrupção e na interferência na administração pública, entretanto com o desenvolvimento econômico as elites políticas enriqueceram através de contratos no setor de transportes e telecomunicações. Seu governo trouxe avanços para a democracia como uma emenda constitucional que transferia o poder do Presidente do Senado para o Orador da Casa (cargo eleito).

Em 1991, mais uma vez um golpe de Estado derrubou o governo, este foi armado pelos membros das classes dos 5 (os chefes do Exército), com o intuito de salvar a nação de políticos corruptos. Foi prometida uma eleição em 1992, entretanto com o apontamento de Suchinda ao cargo de primeiro-ministro, suspeitas que o general implantaria um novo regime militar trouxeram milhares às ruas para protestar. Cerca de 200.000 foram às ruas de Bangkok para protestar, Suchinda usou as tropas leais à ele para conter o confronto, o resultado foram 52 mortos - este episódio ficou conhecido como o Maio Negro. A onda de violência apenas terminou quando a princesa Sirindhorn foi à televisão pedir para que o povo cessasse os protestos - posteriormente o seu irmão, o principie herdeiro Vajiralongkorn, também fez um anúncio em pró da pacificação na televisão. O governo do primeiro-ministro Suchinda foi derrubado, este golpe realizado pelos partidos políticos e algumas facções militares; seu objetivo não era a democracia, mas um ataque contra a classe dos 5 e a favor de uma maior liberalização econômica.


Imagem: Monumento da Democracia, durante o Maio Negro (Bangkok, Tailândia)

Com sua violência, os militares perderam prestigio e a disputa pelo poder estava entre os partidos políticos e os grupos políticos - entre 1992-1996 três eleições escolheram três governos diferentes. Desde 1986, os partidos políticos tornaram-se partidos eleitorais - coletavam e compravam votos com maior facilidade e de maneira mais organizada - esta prática é um fator comum à falta de experiência democrática.

Imagem: Maio Negro (Bangkok, Tailândia)
Fonte:
www.angkor.com

Entre 1992-1996 ocorreram três eleições, o que aumentou a clientela da democracia. Muitos estudantes de 1973 haviam prosperados e formavam a classe média desta época, eles defendiam mais o liberalismo do que a democracia - só posteriormente a democracia passou a ganhar força. Iniciou-se uma campanha para uma nova constituição, uma emenda constitucional aprovou a elaboração de uma nova carta constitucional e em sua composição fosse considerados os projetos de todos os partidos. Em 1997, a Assembléia Constitucional aprovou uma nova constituição, suas principais características eram:
  • Voto era compulsório;
  • Fortalecimento do Poder Legislativo;
  • Maior separação entre o Poder Legislativo e Poder Executivo;
  • Direitos Humanos: educação livre, proteçãos aos direitos das comunidades tradicionais, aos protestos pacíficos:
  • Descentralização do Governo - estabelecendo eleições para as Organizações de Administração Provincial;
  • Novas agencias governamentais independentes: Corte Constitucional, Corte Administrativa, Comissão Nacional de Direitos Humanos, Proteção ao Consumidor, etc.
A Constituição de 1997 foi vista como um grande passo para a Democracia e da proteção aos Direitos Humanos. O longo ciclo de golpes de Estado está totalmente ligado à atual crise tailandesa, os camisas vermelhas (Fronte Nacional Unida da Democracia contra a Ditadura - UDD) protesta, porque, segundo a organização, o governo de Abhisit Vejjajiva tomou o poder de forma "ilegítima", apoiados pelo exército e pelo podejudiciário.Uma parte dos camisas vermelhas apoiam o antigo primeiro-ministro Thaksin Shinawatra.

A UDD foi formada em 2006 para fazer oposição ao governo militar (2006-2007), sua constituição e ao golpe, que depôs o primeiro-ministro Thaksin. O grupo cessou seus protestos após as eleições de 2007, quando o Partido do Poder do Povo saiu vencedor. Depois que Abhisit Vejjajiva assumiu o poder, a UDD asumiu os protestos contra seu governo em Abril de 2009 - que retornaram agora, a partir de Março de 2010.
A UDD defende o fim da "política aristocrática", um sistema onde os militares e os burocratas ignoram o mandato popular (democracia popular). Um dos seus principais alvos são a Constituição de 2007 - entrouem vigor no lugar da Constituição de 2007 - e o General Prem Tisulanonda, Presidente do Conselho Privado e antigo primeiro-ministro.

Obs: Os camisas vermelhas, os organizadores dos atuais levantes na Tailândia, estão ligados à UDD.

As Constituições da Tailândia:
1) Constituição de 1932 (provisória).
2) Contituição de 1932.
3) Constituição de1946.
4) Constituição de 1947 (provisória).
5) Constituição de 1949.
6) Constituição de 1952.
7) A Carta de 1959.
8) Constituição de 1968.
9) Carta Temporária de 1972.
10) Constituição de 1974.
11) Constituição de 1976.
12) Carta de 1977.
13) Constituição de 1978.
14) Constituição de 1991.
15) Constituição de 1997.
16) Constituição de 2007.

sábado, 24 de abril de 2010

Dadu: a Capital Imperial da Dinastia Yuan


Imagem: Pagode Branco (Beihai em Beijing, China)
Fonte: Diogo Farias

Com as comemorações dos 50 anos de Brasília surgiu a idéia de fazer um post sobre o planejamento e a construção de capitais asiáticas e a escolhida foi Dadu, a "Beijing Mongol". O planejamento de centros políticos é até comum na História, mas creio que Brasília foi um caso especial, pelo seu planejamento e pela necessidade de interiorizar o Brasil - idéia que não era nova, pois já era defendida pelo Marquês de Pombal desde o século XVIII. Desta forma não queremos comparar a construção das duas cidades, Beijing, ou melhor, Dadu foi uma cidade planejada, mas não convém estabelecer muitos paralelos com o moderno projeto de Brasília. É até possível verificar algumas semelhanças entre o modelo tradicional chinês - que pouco foi alterado da Antiguidade até o fim do período Imperial - com o modelo das antigas cidades romanas. Ambos partiam de uma planta retangular com duas avenidas principais, é claro que com uma análise mais detalhada muitas diferênças são reconhecidas - as cidades romanas utilizavam tijolos e pedras na construção dos edifícios públicos, enquanto na China a madeira era a base da arquitetura tradicional, por exemplo. É importante ter cuidado nas comparações entre o Ocidente e o Oriente, pois os conceitos "ocidentais" dificilmente se aplicam à Ásia.

Por que Dadu foi escolhida como tema deste post? Existiram outras cidades na região de Beijing que foram anteriores à Dadu mas, como veremos, a cidade mongol foi a primeira a ser capital de um Império que dominou toda a China; o centro de Dadu foi construído no mesmo, ou muito próximo, do local onde posteriormente foi edificado o centro da Beijing Ming-Qing. A primeira menção à Beijing aparece nas Crônicas da Dinastia Zhou, no século XI d.C., Sima Qian (145 ou 135-86 a.C.) citou Jicheng, localizada à sudoeste da moderna Beijing, nos atuais distritos de Xuanwu e de Fengtai. Durante o primeiro milênio da História Imperial da China, Beijing foi um centro provincial periférico do Norte da China.

Imagem: Khubilai Khan
Fonte: www.h-net.org

Tendo conquistado o Norte da China (Império Jin), o neto de Ghinggis Khan , Khubilai Kahn (Hubilie, 1215-1294), decidiu transferir o seu governo de Karakorum, em 1256, para uma localização mais estratégica em relação à China. Khubilai Khan escolheu um sítio à 200 km de Beijing, Shangdu - chamada por Coleridge e Marco Polo de Xanadu. Em 1263, Khubilai Khan planejava mudar-se para China própriamente dita, foi a partir daí que Dadu dividiu com Shangdu a honra de ser a capital imperial dos mongóis: durante o inverno o Khan ficava em Dadu, mas no verão mudava-se para Shangdu.

Imagem: Khubilai Khan (sentado no cavalo preto e vestido de branco) durante uma caçada. Pintado por Liu Guandao, um famoso pintor da corte Yuan, em 1280
Fonte: www.npm.gov.tw


Depois da queda dos mongóis, o primeiro imperador Ming, Hongwu, alterou o nome de Dadu para Beiping (Norte Pacífico ou Paz do Norte) e posteriormente seu filho mudou o nome para Beijing (Capital do Norte), em 1402.

Imagem: Pagode Branco (Beihai em Beijing, China)
Fonte: Diogo Farias

Khubilai Khan queria ser realmente um Imperador chinês e declarou que Dadu seria o centro burocrático de seu Império, por apenas uma breve interrupção, durante o século XIV, esta cidade permaneceu como centro do Império Chinês até fim da Dinastia Qing. A "Beijing de Khubilai Khan" era uma cidade protegida por muralhas duplas - a muralha exterior, construída entre 1267 e 1268, tinha cerca de 30 km, era retangular e possuia cerca de 11 portões: dois ao norte e três em cada um dos lados restantes. Como na Chang'an dos Tang, havia duas avenidas principais no sentido: norte-sul e leste-oeste. Estas duas avenidas atravessavam a cidade, apenas ao sul a avenida norte-sul era interrompida pela muralha interior da cidade imperial, com objetivo de preservar a privacidade família imperial. Os oficiais só poderiam entrar por seus portões durante o dia e deveriam morar nas 54 subdivisões da cidade-exterior. Uma característica incomum da cidade imperial foi sua divisão em duas seções (Ocidental e Oriental), através de caminhos artificiais de água, que sobreviveram até hoje em Beijing, à oeste da Cidade Proibida, existem ainda os três lagos interconectados. As atuais construções nas ilhas e nas margens destes lagos em sua maioria datam da Dinastia Qing. A Montanha do Pagode Branco, no meio do Beihai, é identificado com Khubilai Khan, de acordo com Marco polo, mas o pagode é do século XVII. Mesmo sua mãe sendo cristã nestoriana, Khubilai Khan tornou-se budista e foi muito influenciado por conselheiros tibetanos. O palácio Imperial, que ficava no local onde hoje encontra-se a Cidade Proibida, foi construido por Khubilai Khan e estava dividido em três seguimentos: um para as audiências imperiais, outro para o culto do Khan e o último er destinado aos aposentos privados da família imperial. O planejamento da cidade foi realizado por Liu Bingzhong, um profundo conhecedor do Confucionismo, por cerca de 30 anos, este mandarim foi conselheiro de Khubilai Khan. O conhecimento de Liu Bingzhong sobre o Daoísmo permitiu, através da geomância, escolher a melhor localização para a nova capital e o lugar cosmologicamente correto das suas principais construções.

Imagem: Beihai (Beijing, China), cheio de colinas artificiais, pavilhões e templos, foi associado à Khubilai Khan que lhe deu uma nova disposição durante a dinastia mongol Yuan.
Fonte: Diogo Farias

A capital de Khubilai Khan não foi a primeira cidade imperial construída em Beijing. Os Qidan e os Jin construiram capitais, de onde governaram o Norte da China e outras regiões. Situada à sudoeste da cidade de Khubilai Khan, a cidade Jin, chamada de Yanjing, foi construída no mesmo local da antiga capital Qidan do Reino de Liao. As lendas sobre a origem do palácio de Khubilai Khan começou com uma montanha sagrada. Por causa dos poderes mágicos desta montanha, os imperadores Jin mudaram da estepe para Beijing, circunstâncias que parecem ter levado à inclusão da montanha no palácio de Khubilai Khan. A lenda conta:

"Os especialistas em geomância diziam que a montanha possuía uma espécie de força-vital para os governantes, que era perigosa para o Império Jin, por que ela estava situada dentro do território mongol. Os Jin e os mongóis eram inimigos, mas os mongóis nunca foram contra a retirada da montanha, aliás eles até ridicularizavam esta idéia. Os Jin ordenaram seus soldados cavar e retirar a montanha. Em Beijing, a montanha se tornou uma colina, no meio do maior lago, feito para circundá-la. Flores e árvores foram plantadas e pavilhões construídos para o desfruto da família imperial. Não muito depois a Dinastia Jin caiu e Khubilai Khan mudou sua capital para Beijing e quando foram levantadas suas muralhas, os mongóis anexaram este lago auspicioso."

Imagem: Dadu, a "Beijing Mongol"
Fonte: COTTERELL, Arthur, The Imperial Capitals of China (Londres: Pimlico, 2007).


Os registros Jin evidenciam que os pavilhões mencionados eram um palácio de campo, uma residência imperial fora das muralhas de Yanjing, que foi destruído quando os mongóis conquistaram a cidade. Alguns terraços de terra batida onde o palácio Jin foi construído, poderiam ter sido poupados. Se isto ocorreu, seu reaproveitamento por Khubilai Khan pode explicar a escolha do local onde foi construído o palácio imperial. Não apenas pela agradável montanha e seu lago, mas também porque os mongóis economizariam uma imenso trabalho se não precisassem aterrar esta imensa área. Quando as associações mágicas com o local foram levadas em conta, fica claro entender porque Khubilai Khan passava boa parte do ano em Beijing. Os mongóis poderiam armar suas tendas ao lado do lago e viver à maneira mongol até que o palácio estivesse pronto.

Imagem: As várias capitais em Beijing: Qidan, Jin, Mongol e Ming-Qing
Fonte: COTTERELL, Arthur, The Imperial Capitals of China (Londres: Pimlico, 2007).


O palácio de Khubilai Khan foi construido em estilo imperial chinês, quando os Ming transferiram sua capital para Beijing, os imperadores desta dinastia nativa mantiveram o estilo da cidade de Khubilai Khan, muitas das construções Ming eram réplicas muito próximas da "Beijing Mongol".

Imagem: Yongan Si (Beihai em Beijing, China)
Fonte: Diogo Farias

A exata localização da Colina Verde é ainda discutida. É possível que a Montanha do Pagode Branco, descrita por Marco Polo, pode ser real. Se não for verdade, a Colina Verde estaria localizada muito próxima do lago e ao norte do palácio. Neste caso, pode ter ocorrido uma alteração durante a construção da Beinjing Ming, quando as cinco colinas foram feitas, utilizando a terra do fosso (canal) que protege a Cidade Proibida.

Em breve escreveremos posts sobre a Beijing Ming e Qing, também seria interessante trabalhar com a História da construções de outras capitais asiáticas. Para semana que vem será feito o já prometido post sobre a crise política na Tailândia.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Alguns aspectos do comércio entre o Brasil e o Estado Português da Índia durante o século XVII

Até o século XIX, a principal característica do comércio entre Europa e Ásia foi o déficit europeu em relação aos asiáticos. A Europa carecia de produtos que despertassem o interesse dos asiáticos, o que fazia com que os europeus tivessem que utilizar metais (cobre, ouro e principalmente prata) para adquirir os produtos asiáticos. Nestas circunstâncias, a maior beneficiada da prata do Novo Mundo foi a China.

Como as demais potências européias, Portugal sofria com a falta de produtos de exportação para o Oriente, somente a prata era um produto procurado na Ásia. Durante o período Habsburgo, a prata era facilmente obtida, onde parte do metal que chegava à Sevilha era designada à Lisboa. Mas depois de 1640, os portugueses tiveram que recorrer ao contrabando entre Portugal e Espanha - ou melhor, entre o Brasil e o Rio de la Plata - e aos serviços dos banqueiros da Atuérpia e de Amsterdam. Estas três fontes irregulares de suprimentos dificilmente satisfazia a demanda de prata, desta forma a Corte fez tudo o que podia para restringir a exportação de prata para Índia - influenciado pela política mercantilista em voga neste período. Portugal conseguiu algum sucesso: no início do século XVII, o país exportava grandes quantidades de prata (150.000-160.000 cruzados), no final do século XVII, houve uma diminuição para apenas 30.000 cruzados. A necessidade de prata precipitou uma frenética e vã procura pelo metal em Moçambique.

Havia alguns produtos obtidos pelos portugueses que ajudavam a conter o fluxo de prata para o Oriente, entre eles destacavam-se o mercúrio e o coral. O coral era obtido através de mercadores cristãos-novos ou judeus sefaradis, que controlavam o seu comércio em Livorno. O coral também era trocado pelo cônsul da Companhia Geral do Comércio do Brasil por pau-brasil em Pisa. Ingleses e franceses em particular, também exportavam o coral, aliás parece que o comércio português teve dificuldade em sobreviver à concorrência francesa.

Com o fechamento das fronteiras do Japão (1635) para mercadores estrangeiros (exceto holandeses e chineses), foi eliminado outra fonte de prata para os portugueses. Nesta situação, Portugal teve que substituir a prata por outros metais, uma saída foi o uso do cobre, que vinha do próprio reino e também do Sião. Os mercadores holandeses em Lisboa vendiam principalmente cobre, mas a partir da guerra contra a VOC (Vereenigde Oost-Indische Compagnie, Companhia Holandesa das Índias Orientais), o ferro, a pólvora e armamentos eram embarcados de Lisboa para Goa, para conseguir financiar a compra de produtos das Índias. O comércio de armas tomou uma porção importante das importações durante o amarga década de 1650. Outro grande problema para Coroa, desde o período Habsburguo, era que as armas espanholas eram mais procuradas, o que prejudicava as exportações portuguesas.

Outros produtos eram exportados para a Ásia: vinagre, oliva, azeite, velas, facas, mobiliário e vinhos do Douro e da Madeira. O vinho era vendido para ingleses e holandeses em Bombaim (Mumbaī) e Surat; o vinho da Madeira era a bebida mais popular entre os europeus na Ásia. Estes produtos possuíam um mercado reduzido, formado principalmente pelas comunidades de mercadores europeus na Ásia. O papel era vendido para os Marathas, sendo uma contribuição européia indispensável para a ascensão das burocracias na Índia.

Onde os produtos portugueses não possuíam uma grande procura os produtos brasileiros como o açucar, o couro e especialmente o tabaco tornaram-se mais importantes. O tabaco podia ser processado em Portugal, sendo exportado para a Índia e Moçambique, onde era usado através da sua inalação. O monopólio real na preparação e venda do tabaco (Estanco do Tabaco) era uma das principais fontes de renda para Coroa. Em Goa, a venda era arrendada por contratadores que poderiam, se quisessem, impor o Estanco (monopólio) pela força. O comércio do tabaco tornou-se a principal fonte de renda da Coroa na Índia: este valor decolou de 26.666 xeraphins em 1674 para 101.500 xeraphins em 1681. A maioria das cargas adquiridas na Índia eram pagas pelo processo do Estanco - a Junta do Tabaco supervisionava o comércio da Índia. Os investimentos no cabedal do reino eram parte de um comércio triangular entre Salvador da Bahia, Lisboa e Goa.

A Coroa tentou reservar os benefícios desse comércio em suas mãos, mas esta era uma causa perdida, porque as possibilidades para a elite se esquivar do controle estatal eram criadas quase que simultaneamente com o monopólio. Alguns nobres tinham, por exemplo, distribuído isenções do Estanco do Tabaco, que eram utilizadas para contrabandear o tabaco.

Para impedir o contrabando para e com o Brasil, a Coroa proibiu os navios da carreira da Índia de ancorar em portos brasileiros em sua viagem para a Índia. Durante a volta, as naus supostamente deveriam navegar diretamente para os Açores e esperar por uma escolta naval. Estas regulamentações de navegação eram largamente desprezadas. Os goenses regularmente iam para a Bahia na viagem de volta para "reequipar". Desta forma a preciosa "carga oriental" era dividida ali entre os navios que carregavam açúcar de Salvador, para prevenir do risco de naufrágio. Em 1665, o senado da câmera de Goa pediu para Coroa o direito de enviar navios para Luanda e Pernambuco. O Conselho Ultramarino reagiu não permitindo o comércio.

Como os mercadores da Bahia possuíam grandes frotas, que atravessavam o Atlântico, era importante que os brasileiros não fossem permitidos comercializar com a Índia. É provável que navios brasileiros teriam trocado tabaco por escravos em Madagascar, ouro por escravos em Moçambique ou açúcar e tabaco por escravos da África e tecidos da Índia - como fizeram no século XIX. Foi proposto, em 1701, uma permissão aos mercadores da Bahia enviar três navios para Índia, mas a Junta do Tabaco contrariou, pois poderia ser nocivo atrair mercadores da América para Ásia. Os representantes da Junta do Tabaco alegavam que para que as "áreas remotas" continuassem obedientes, elas deveriam obter tudo o que precisam de Portugal. Não seria interessante que eles fossem procurar o que recebiam do reino, a sua obediência era garantida pela sua dependência.

Apesar destas proibições, os mercadores brasileiros tentaram fazer comércio no Oceano Índico. Em 1669, a nau Santa Theresa e em 1685 a São Antônio (400 toneladas) foram enviadas da Bahia para Moçambique. A supercarga do segundo navio era considerável: a nau não só conduziu o comércio na ilha de Moçambique mas visitou um mercado em Tete (Moçambique) para vender tabaco e açúcar.

A maior parte do açúcar vendido em Moçambique vinha de Baçaim (Vasai-Virar, Índia) e o tabaco de Bengala, que era mais apreciado do que a variedade brasileira, mais adocicada. Já no século XVII, mercadores waYao vendiam este tabaco para o interior. O tabaco começou a ser cultivado na Baía da Lagoa (Moçambique) no século XVIII, mas por causa do seu alto grau de alcatrão não era muito adequado para fumo.

Havia uma certa demanda por tabaco na Pérsia e em Goa, mas a maior parte era produzido localmente, entretanto também importavam o produto de Bengala. O tabaco brasileiro era considerado muito doce na Índia, apesar dele perder o sabor durante a longa viagem de Pernambuco. O açúcar foi exportado pelo Estado da Índia, porque havia um bom mercado na Pérsia. Em Baçaim havia quatro engenhos de açúcar, que refinavam a cana-de-açúcar produzida nas suas proximidades. Esta produção era geralmente fornecida para a demanda do Golfo, apesar de um grande volume ser enviado para o Guzerate e para Moçambique.

O comércio do açúcar entre Moçambique e Bahia não era muito rentável e os mercadores brasileiros se mostravam relutantes em investir no comércio direto com a Índia. Nestas circunstâncias desenvolveu-se um comércio ilegal entre Goa e Bahia, no qual toda a comunidade mercantil das duas cidades e seus dois vice-reis estavam envolvidos. Algumas fragatas utilizadas para levar mensagens importantes para Portugal, eram carregadas com cargas destinadas para o Brasil, mercadores goenses também poderiam fazer escala em Luanda, onde os tecidos indianos eram trocados por escravos e marfim.

A Coroa expressou seu desgosto por este comércio ilegal, mas havia pouco a fazer. Os capitães alegavam que por causa dos ventos ou de complicações durante a viagem, eles tinham que alterar a rota até a Bahia. Uma vez lá, marinheiros e capitães poderiam vender tecidos indianos., com melhor preço do que o trazido de Lisboa, em troca compravam tabaco e açúcar.

Como o comércio português cresceu focado no Brasil, o Estado das Índias estava se tornando uma subsidiária do comércio brasileiro. Isto não era só por causa do déficit do comércio com a carreira da Índia que tinha que ser financiado pelos benefícios do Brasil, mas por três outras razões:

1) durante operíodo Habsburgo muitas das famílias de mercadores (cristãos-novos) da carreira da Índia - como as famílias Lopes de Veiga, Brandão e Roíz de Lisboa - tinham correspondentes de negócios com Brasil. Os lucros do Brasil eram então investidos no comércio com a Índia - frequentemente sob uma severa pressão da Coroa. Para exemplificar, o principal mercador da carreira da Índia no século XVII, Manuel da Gama de Pádua, era diretor da Companhia do Brasil e também o principal mercador de Angola.

2) algumas famílias nobres portuguesas tinham propriedades em Portugal, Brasil e Índia, e atuavam tanto na carreira da Índia quanto na carreira do Brasil. Esses fidalgos mercadores, por exemplo, como as famílias Noronha/Mem de Sá, proprietários de grandes latifúndios em Sergipe. Vindos de Goa, o Conde dos Linhares e sua mulher, Dona Inez de Noronha, ainda mantinham negócios com a Índia de pedras preciosas e mobiliário.

3) os vassalos da Coroa portuguesa em Goa estavam envolvidos em negócios com o Brasil. Por exemplo, Luís Mendonça de Furtado, Francisco de Lima e Diego de Fonseca tinham em 1671 concluído uma parceria: seu agente Manuel de Castro vendia tecidos do Coromandel e do Guzerate para o governador de Moçambique, que repassava escravos e ouro. Parte dos rendimentos era destinado para subornos com objetivo de excluir competidores do mercado. Esses lucros eram investidos em açúcar na Bahia, que poderia ser para Portugal.

Cara nova

Esta semana o blog Battuta: do al-Andalus à China está de cara nova. A arte foi feita pela minha prima Ray, já que eu não sei fazer montagens. Trata-se de um trabalho muito bem feito onde ela conseguiu sintetizar em um pequeno espaço a diversidade cultural do espaço geográfico abordado por este blog. Em relação às imagens, todas elas são de viagens minhas e da Paula ao Marrocos, Turquia, China e Vietnã.

Este blog possui um planejamento para os post deste primeiro ano, entretanto este pode sofrer alterações. Para esta semana iremos preparar um post sobre o comércio entre mercadores do Brasil e do Oceano Índico durante o século XVII e para a próxima semana nosso objetivo será elaborar um post sobre a conturbada história política da Tailândia no século XX.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Avatar e o Avatāra


Imagem: cena do filme Avatar, de James Cameron
Fonte: www.cineplayers.com.br

Nosso intuito neste post não é fazer uma resenha crítica do filme Avatar (James Cameron, Avatar, 2009), aliás nenhum dos nossos colaboradores assistiram ao filme. Atualmente a palavra avatar entrou para o vocabulário da cultura pop, além do filme de James Cameron, os "twitteiros" costumam a chamar seus profiles de avatar, jogadores do game The Sims também utilizam esta expressão e até mesmo o cinema já discutiu anteriormente este tema com Matrix (Larry Wachowski, Andy Wachowski, The Matrix, 1999). Mas o Avatar de James Cameron é o filme que mais emula o conceito hindu de Avatāra*, onde Jake Sully, um militar preso à uma cadeira de rodas, participa de um programa chamado Avatar, que o permite assumir o corpo de um Na'Vi (espécie habitante do planeta Pandora), para conhecer um pouco mais sobre os nativos. Nosso objetivo aqui não é discutir a influência hindu no trabalho de James Cameron, mas demonstrar a origem do termo avatar e trabalhar o conceito de avatara presente na cultura hindu.

Visnu:

Segundo Cybelle Shattuck, a característica principal do Hinduísmo clássico é o teísmo, onde as divindades locais eram transformadas em deuses universais através de uma identificação com uma divindade "Suprema". Os que acreditavam em Visnu como deus mais importante chamavam-se vaishnavas. Os que nomeiam Siva como "Suprema" são os xaivas. Os devotos de Devi, a deusa, chamam-se xaktas porque o cosmo manifesta-se em Xakti, uma energia feminina. Desde a época clássica aos tempos modernos, estas três grandes divindades são o centro do Hinduísmo.


Imagem: Representação do deus Visnu
Fonte: http://www.dailymail.co.uk/

Para o vaishnava, ou seja, o devoto de Visnu, este deus é a fonte do universo e de todas as coisas. De acordo com o mais famoso mito cósmico do Hinduísmo, este deus dorme no oceano primário sobre a cobra de mil cabeças , Sesa. Enquanto dormia uma lótus cresceu em seu umbigo e dela nasceu Brahma, o criador do mundo. Assim que o mundo foi criado Viṣṇu acordou, para reinar sob o céu (Vaikuntha). O deus é geralmente representado como um homem de quatro braços, de cor azul escuro, sentado em seu trono com sua coroa, trazendo consigo seus emblemas: a concha, o disco, o bastão e a lotus - usando sua jóia sagrada (Kausthuba) com um ramalhete de cabelo cacheado sobre seu peito. Sua esposa, Laksmi, é uma importante deusa.

A condição de Viṣṇu como o Deus Universal, do qual todos os outros deuses são suas expressões ou emanações, é descrita primeiramente no Bhagavad Gita. Sua contraparte Siva é feroz e perigoso enquanto Visnu é geralmente visto como benevolente. Este deus trabalha intermitentemente para o bem-estar do mundo.

Imagem: Representação de Visnu, em Angkor Wat (Camboja)
Fonte: http://www.cis.nctu.edu.tw/~whtsai/Angkor_Wat/Pages/Glossary.htm

Os avataras (descendentes) ou "encarnações" de Visnu são, de acordo com a classificação mais popular, dez. As divindades e heróis que compõem a lista foram adotados pelo vaishnaismo em diferentes épocas, mas todas já haviam sido incorporadas até o século XI de nossa era. É possivel que a doutrina vaishnava de "encarnação" esteja relacionada com as doutrinas budistas e jainistas. Segundo Nicholas Sutton, no Mahabharata encontra-se as primeiras noções do avatara na tradição hindu e descreve como Viṣṇu desceu a Terra e trouxe a vitória aos Pandavas. Uma encarnação pode ser total ou parcial. Todo deus ou grande homem era encarado como uma "encarnação" parcial de Viṣṇu. Os dez principais avataras são especiais, pois neles este deus viria salvar o mundo de um perigo eminente de total destruição.

Os avataras de Visnu:

Imagem: Matsya (O Peixe)

O Peixe (Matsya): quando a Terra estava sendo destruída por um dilúvio universal, Visnu transformou-se em peixe e informou Manu (uma espécie de Adão hindu) do perigo e salvou-o junto com sua família e os setes grandes sábios num navio preso à um chifre em sua cabeça - Matsya também salvou os Vedas da enchente. Este peixe legendário aparece pela primeira vez nos Brahmanas.

Imagem: Kurma (a Tartaruga)

A Tartaruga (Kurma): muitos tesouros divinos haviam sido perdidos no dilúvio, incluindo a ambrosia (amrta), na qual os deuses preservavam sua juventude. Visnu "encarnou" em uma grande tartaruga e nadou até o fundo do oceano cósmico. Em suas costas os deuses colocaram o Monte Mandara e a cobra divina Vasuki, que estava enrolada na montanha. Um leiteiro indiano preparou uma manteiga, rodando a montanha e encantou a serpente, do ocenano emergiu a ambrosia e vários outros tesouros, incluindo a deusa Laksmi. Esta história é provavelmente um antigo folclore e a identificação de Visnu com a tartaruga é posterior.

Imagem: Respresentação de Maraha em um dos monumentos de Khajuraho (Madhya Pradesh, Índia)

O porco do mato, javali, varrão (Varaha): um demônio, Hiranyaksa, arremessou a Terra ao fundo do oceano cósmico. Visnu se transformou em um enorme javali, matou o demônio e trouxe novamente a Terra para seu lugar. Esta lenda é contada nos Brahmanas, mas provavelmente tem origem num culto primitivo ao porco sagrado não-ariano. O culto ao avatara do javali era importante em algumas partes da Índia no período Gupta.

Imagem: Narasimha representado em Angkor Wat (Camboja)


O Homem Leão (Narasimha): Outro demônio, Hiranyakasipu, obteve uma dádiva de Brahma, onde não poderia ser morto nem de dia, nem de noite por um deus, homem ou besta. O demônio perseguiu deuses e homens, incluindo o filho de Prahlada. Quando Prahlada pediu socorro à Visnu para derrotar o demônio durante o por-do-sol, o deus tomou forma de um homem-leão e matou Hiranyakasipu. Narasimha era cultuado como uma divindade especial (istadevata) por uma pequena seita e era frequentemente reproduzido em esculturas.

Imagem: Representação e Vamana num Gopuram (torre monumental) no templo Balaji Mandir em Pashan, um subúrbio de Pune (Maharashtra, Índia).

O anão (Vamana): o demônio chamado Bali controlava o mundo e quando tornou-se asceta seus poderes aumentaram, o que ameaçava os deuses. Visnu apareceu em forma de anão e perguntou-lhe qual a distância ele poderia percorrer em apenas uma caminhada. Visnu transformou-se em um gigante em percorreu a Terra, o céu, deixando apenas as regiões sombrias para o demônio.

Imagem: Parasurama
Fonte:
http://www.bronzecreative.com/parashurama-avatar-vishnu-rama-axe.html

Parasurama (Rama com machado): Visnu encarnou como filho do brâmane (brahman) Jamadagni. Quando seu pai foi roubado pelo rei Kartavirya, Parasurama o matou. Jamadagni foi assassinado pelos filhos de Kartavirya; posteriormente num momento de fúria, Parasurama destruiu todos os homens da classe ksatriya.


Imagem: Rama representado no filme Quem quer ser um milionário? (Danny Boyle, Slumdog Millionaire, 2008)
Fonte:
http://www.hindujagruti.org/

Rama, Príncipe de Ayodhya e herói do Ramayana: Visnu "encarnou" nesta forma para salvar o mundo do opressor demônio Ravana. Segundo A. L. Basham, Rama provavelmente foi um líder que viveu entre os séculos VIII e VII A.C., e na forma mais primitiva de sua história não possuia atributos divinos. Seu culto desenvolveu posteriormente à Krsna, mesmo sendo considerado uma encarnação anterior. Rama é comumente descrito com pele escura e segurando um arco e flecha (os Na´Vi lembram muito Rama). Sua esposa Sita é considerada a personificação da fidelidade da mulher. Para seus devotos Rama combina os ideais de gentileza, do bom marido, grande líder e rei benevolente. O seu culto apenas se tornou significante após a chegada do Islã à Índia.

Imagem: Krsna e Yasoda
Fonte:
http://ppisr.res.in/~srik/gitopanishad/index.html

Krsna: é o mais importante dos avataras de Visnu. Krsna nasceu em Mathura, na tribo dos Yadavas. Seu pai era Vasudeva, sua mãe se chamava Devaki e seu tio era o Rei Kamsa. Foi profetizado que Kamsa seria assassinado pelo oitavo filho de Devaki, sendo assim o rei quis eliminar todos seus filhos. Mas Krsina e seu irmão mais velho, Balarama, foram salvos por Nanda e sua esposa Yasoda. Kamsa descobriu que as crianças haviam fugido e ordenou que todos os meninos do reino fossem mortos, mas Nanda conseguiu esconder os filhos de Devaki.

Durante sua infância o avatara do deus realizou diversos milagres, matou demônios e salvou pessoas de uma tempestade segurando o Monte Govardhana sob suas cabeças com apenas um dedo. Durante sua adolescência teve muitos casos com esposas e filhas dos gopis (pastores), mas sua favorita era a linda Radha.

Imagem: Krsna e Radha
Fonte:
http://ppisr.res.in/~srik/

Um dia Krsna largou sua vida de simples pastor, matou Kamsa e invadiu o reino de Mathura, mas pressionado por Jarasandha (Rei de Magadha) e por um "outro rei do noroeste", o avatara de Visnu foi forçado a deixar o reino. Seus seguidores fundaram uma nova capital Dvaraka em Kathiawar. Krsna fez de Rukmini (filha do rei de Vidarbha - hoje Berar), sua rainha, entretanto tinha outras 16 000 esposas e 180 000 filhos. Nesta época conquistou outros reinos e matou diversos demônios. Pela história contada no Mahabharata, Krsna era conselheiro dos cinco Pandavas e pregou o grande sermão do Bhagavad Gita para Arjuna, antes da batalha principal deste épico.

Depois de ver os Pandavas seguros na terra de Kuru, Krsna retornou à Dvaraka. Lá haviam muitas pessoas tramando contra ele, Krsna aboliu as "bebidas fortes", na esperança de acabar com o mal. Em um festival o avatara de Visnu liberou o consumo destas bebidas e os líderes Yadava rebelaram-se, Krsna nada podia fazer para acalmar o povo. Seu filho Pradyumma foi morto diante de seus olhos. Krsna fugiu para uma floresta, mas foi atingido por uma flecha em seu vulnerável calcanhar (como Aquiles) e morreu. A cidade de Dvaraka foi engolida pelo mar.

Krsna recebeu muita importância na tradição ortodoxa, desde muito cedo. Um filho de Krsna foi mencionado nos Upanisads, estudando as novas doutrinas da alma e parece que existem algumas bases históricas sobre a lenda do herói-deus. Segundo A. L. Basham, o mito de Krsna pode ter sido composto por diversas histórias de muitos heróis de todo subcontinente indiano. Alguns elementos da história, como a destruição dos Tadavas e a morte do deus, parecem ser não-indianos. O tema da embriaguês, do herói morto por uma flecha num ponto vulnerável e a cidade engolida pelo mar são comuns à literatura épica européia, mas não é muito comum na Índia. O conceito de "deus mortal", tão generalizado no "Oriente Próximo", também é incomum na Índia. Kamsa, o tio fraco, lembra Acrísio, o cruel avô de Perseu. Algumas partes da história tem origens em tradições muito antigas, que podem ter sido elaboradas pelos arianos (Aryan), antes deles entrarem na Índia; outras parecem ter origem no próprio subcontinente e outras inspiradas em alguns contos de origem ocidental.


O aspecto pastoral e erótico de Krsna tem origem evidentemente diferente do Krsna, o herói-deus. Seu nome significa "preto" e o deus é geralmente descrito com esta cor. Talvez a referência mais antiga ao Krsna pastor são as antigas antologias Tamil, onde "o Negro (Mayon) toca flauta e pratica esportes. Deve ter sido originalmente o deus da fertilidade da Península, cujo culto foi difundido ao norte por tribos nômades.

Imagem: Escultura em bronze que representa Arjuna e Krsna juntos num carro-de-guerra em Kurukshetra (Haryana, Índia)

Fonte: http://www.travelpod.com/travel-photo/ulka/1/1259078561/kurukshetra-arjuna-krishna.jpg/tpod.html

As aventuras eróticas do jovem Krsna tem um fraco componente religioso e parece ter origem na literatura erótica. Entretanto o amor do deus pelas esposas dos camponeses é interpretado como símbolo do amor de Deus pela alma humana. A infância de Krsna foi provavelmente o último elemento a ser incorporado à sua lenda e sua origem é desconhecida. Pode ter sido parcialmente inspirada em contos trazidos por mercadores cristãos ou missionários nestorianos no início do período medieval. O culto à infância de Krsna faz um apelo especial à maternidade.

Vasudeva, um deus muito popular na Índia ocidental durante a antiguidade, era identificado com Krsna e pode ter sido falsamente interpretado como o pai de Krsna, chamado Vasudeva (com o a curto na primeira sílaba). Outras divindades, originalmente independentes, eram associadas com Krsna. O líder destas deidades era Balarama, também chamado de Halayudha ("armado com o arado") e Sankarsana. Balarama era originalmente uma deidade ligada à agricultura. Tradicionalmente era um grande bebedor, sua importância diminuiu no período medieval, em contrapartida a populariedade de Krsna aumentou. Menos importantes eram os cultos ao filho de Krsna Pradyumma, do seu neto Aniruddha e seu amigo Arjuna (o herói Pandava). A líder feminina associada à Krsna era Radha, sua amada durante sua juventude, cultuada frequentemente junto com o deus no final do período medieval.

Segundo Nicholas Sutton, a doutrina do avatara fez surgir diversas controvérsias relativas à natureza de Visnu, sendo ela humana ou divina. O corpo encarnado era composto de matéria orgânica ou algum tipo de forma espírita. Alguns vaishanavas, como Ramanuja e os seguidores de Caitanya acreditavam que o corpo de Krsna era completamente espiritual. Entretanto alguns teólogos afirmam que no Baghavata Purana, Krsna não parece possuir alguma idade em toda narrativa épica. No Gita, Krsna afirma: "situado na minha própria energia material, eu me manifesto com meu próprio poder." Esta ideia também pode ser argumentada pela morte de Krsna através de uma flecha. A moralidade do avatara é fonte para grandes discuções, porque enquanto a missão do avatara é preservar o dharma, em algumas ocasiões seu comportamento parece imoral e adhármico.

Imagem: Buddha
Fonte: www.wikipedia.com


Buddha: é a última encarnação histórica de Visnu. De acordo com a maioria dos teólogos hindus o deus tornou-se Buddha para iludir os mal-intensionados, liderando-os para negar os Vedas e assegurou as suas condenações. Buddha foi incluido à lista de encarnações, como outras deidades foram incluídas, para que os elementos heterodoxos fossem assimilados ao vaishnavismo: até recentemente o templo de Buddha em Gaya estava nas mãos dos hindus, onde Buddha era cultuado pelos hindus como um deus Hindu; mas geralmente pouca atenção era dada ao avatara Buddha.


Imagem: Kalkin
Fonte: http://www.exoticindiaart.com/

Kalkin o avatara esperado: no final da Idade das Trevas Visnu aparecerá como um homem montado num cavalo branco, com uma espada fumegante em sua mão. Ele irá julgar os malvados, reconhecerá os bons e restaurará a Era de Ouro. Esta é uma adição posterior ao mito vaishnava e não possui muita importância na literatura ou na iconografia; mas um representativo número de hindus levam Kalkin muito a sério, esperam por sua chegada assim como alguns cristãos esperam a segunda vinda de Cristo. Paralelos com a doutrina cristã são encontrados especialmente com os cavaleiros do Apocalipse, mas a principal inspiração de Kalkin pode vir do Budismo. Influências do zoroastrismo ajudaram na formação do mito.

* estamos com problemas em escrever os termos em sânscrito com a devida acentuação, o site www.blogspot.com não reconhece-a quando passamos o texto do Word para ele. Esperamos resolver este problema em breve.


Bibliografia:


  • BASHAM, A. L., The wonder that was India (Nova York: The Macmilan Co, 1959).
  • SHATTUCK, Cybelle, Hinduísmo (Lisboa: Edições 70, 1999).
  • SUTTON, Nicholas, Religious doctrines in the Mahabharata (Delhi: Shri Jainendra Press, 2000).