segunda-feira, 19 de abril de 2010

Alguns aspectos do comércio entre o Brasil e o Estado Português da Índia durante o século XVII

Até o século XIX, a principal característica do comércio entre Europa e Ásia foi o déficit europeu em relação aos asiáticos. A Europa carecia de produtos que despertassem o interesse dos asiáticos, o que fazia com que os europeus tivessem que utilizar metais (cobre, ouro e principalmente prata) para adquirir os produtos asiáticos. Nestas circunstâncias, a maior beneficiada da prata do Novo Mundo foi a China.

Como as demais potências européias, Portugal sofria com a falta de produtos de exportação para o Oriente, somente a prata era um produto procurado na Ásia. Durante o período Habsburgo, a prata era facilmente obtida, onde parte do metal que chegava à Sevilha era designada à Lisboa. Mas depois de 1640, os portugueses tiveram que recorrer ao contrabando entre Portugal e Espanha - ou melhor, entre o Brasil e o Rio de la Plata - e aos serviços dos banqueiros da Atuérpia e de Amsterdam. Estas três fontes irregulares de suprimentos dificilmente satisfazia a demanda de prata, desta forma a Corte fez tudo o que podia para restringir a exportação de prata para Índia - influenciado pela política mercantilista em voga neste período. Portugal conseguiu algum sucesso: no início do século XVII, o país exportava grandes quantidades de prata (150.000-160.000 cruzados), no final do século XVII, houve uma diminuição para apenas 30.000 cruzados. A necessidade de prata precipitou uma frenética e vã procura pelo metal em Moçambique.

Havia alguns produtos obtidos pelos portugueses que ajudavam a conter o fluxo de prata para o Oriente, entre eles destacavam-se o mercúrio e o coral. O coral era obtido através de mercadores cristãos-novos ou judeus sefaradis, que controlavam o seu comércio em Livorno. O coral também era trocado pelo cônsul da Companhia Geral do Comércio do Brasil por pau-brasil em Pisa. Ingleses e franceses em particular, também exportavam o coral, aliás parece que o comércio português teve dificuldade em sobreviver à concorrência francesa.

Com o fechamento das fronteiras do Japão (1635) para mercadores estrangeiros (exceto holandeses e chineses), foi eliminado outra fonte de prata para os portugueses. Nesta situação, Portugal teve que substituir a prata por outros metais, uma saída foi o uso do cobre, que vinha do próprio reino e também do Sião. Os mercadores holandeses em Lisboa vendiam principalmente cobre, mas a partir da guerra contra a VOC (Vereenigde Oost-Indische Compagnie, Companhia Holandesa das Índias Orientais), o ferro, a pólvora e armamentos eram embarcados de Lisboa para Goa, para conseguir financiar a compra de produtos das Índias. O comércio de armas tomou uma porção importante das importações durante o amarga década de 1650. Outro grande problema para Coroa, desde o período Habsburguo, era que as armas espanholas eram mais procuradas, o que prejudicava as exportações portuguesas.

Outros produtos eram exportados para a Ásia: vinagre, oliva, azeite, velas, facas, mobiliário e vinhos do Douro e da Madeira. O vinho era vendido para ingleses e holandeses em Bombaim (Mumbaī) e Surat; o vinho da Madeira era a bebida mais popular entre os europeus na Ásia. Estes produtos possuíam um mercado reduzido, formado principalmente pelas comunidades de mercadores europeus na Ásia. O papel era vendido para os Marathas, sendo uma contribuição européia indispensável para a ascensão das burocracias na Índia.

Onde os produtos portugueses não possuíam uma grande procura os produtos brasileiros como o açucar, o couro e especialmente o tabaco tornaram-se mais importantes. O tabaco podia ser processado em Portugal, sendo exportado para a Índia e Moçambique, onde era usado através da sua inalação. O monopólio real na preparação e venda do tabaco (Estanco do Tabaco) era uma das principais fontes de renda para Coroa. Em Goa, a venda era arrendada por contratadores que poderiam, se quisessem, impor o Estanco (monopólio) pela força. O comércio do tabaco tornou-se a principal fonte de renda da Coroa na Índia: este valor decolou de 26.666 xeraphins em 1674 para 101.500 xeraphins em 1681. A maioria das cargas adquiridas na Índia eram pagas pelo processo do Estanco - a Junta do Tabaco supervisionava o comércio da Índia. Os investimentos no cabedal do reino eram parte de um comércio triangular entre Salvador da Bahia, Lisboa e Goa.

A Coroa tentou reservar os benefícios desse comércio em suas mãos, mas esta era uma causa perdida, porque as possibilidades para a elite se esquivar do controle estatal eram criadas quase que simultaneamente com o monopólio. Alguns nobres tinham, por exemplo, distribuído isenções do Estanco do Tabaco, que eram utilizadas para contrabandear o tabaco.

Para impedir o contrabando para e com o Brasil, a Coroa proibiu os navios da carreira da Índia de ancorar em portos brasileiros em sua viagem para a Índia. Durante a volta, as naus supostamente deveriam navegar diretamente para os Açores e esperar por uma escolta naval. Estas regulamentações de navegação eram largamente desprezadas. Os goenses regularmente iam para a Bahia na viagem de volta para "reequipar". Desta forma a preciosa "carga oriental" era dividida ali entre os navios que carregavam açúcar de Salvador, para prevenir do risco de naufrágio. Em 1665, o senado da câmera de Goa pediu para Coroa o direito de enviar navios para Luanda e Pernambuco. O Conselho Ultramarino reagiu não permitindo o comércio.

Como os mercadores da Bahia possuíam grandes frotas, que atravessavam o Atlântico, era importante que os brasileiros não fossem permitidos comercializar com a Índia. É provável que navios brasileiros teriam trocado tabaco por escravos em Madagascar, ouro por escravos em Moçambique ou açúcar e tabaco por escravos da África e tecidos da Índia - como fizeram no século XIX. Foi proposto, em 1701, uma permissão aos mercadores da Bahia enviar três navios para Índia, mas a Junta do Tabaco contrariou, pois poderia ser nocivo atrair mercadores da América para Ásia. Os representantes da Junta do Tabaco alegavam que para que as "áreas remotas" continuassem obedientes, elas deveriam obter tudo o que precisam de Portugal. Não seria interessante que eles fossem procurar o que recebiam do reino, a sua obediência era garantida pela sua dependência.

Apesar destas proibições, os mercadores brasileiros tentaram fazer comércio no Oceano Índico. Em 1669, a nau Santa Theresa e em 1685 a São Antônio (400 toneladas) foram enviadas da Bahia para Moçambique. A supercarga do segundo navio era considerável: a nau não só conduziu o comércio na ilha de Moçambique mas visitou um mercado em Tete (Moçambique) para vender tabaco e açúcar.

A maior parte do açúcar vendido em Moçambique vinha de Baçaim (Vasai-Virar, Índia) e o tabaco de Bengala, que era mais apreciado do que a variedade brasileira, mais adocicada. Já no século XVII, mercadores waYao vendiam este tabaco para o interior. O tabaco começou a ser cultivado na Baía da Lagoa (Moçambique) no século XVIII, mas por causa do seu alto grau de alcatrão não era muito adequado para fumo.

Havia uma certa demanda por tabaco na Pérsia e em Goa, mas a maior parte era produzido localmente, entretanto também importavam o produto de Bengala. O tabaco brasileiro era considerado muito doce na Índia, apesar dele perder o sabor durante a longa viagem de Pernambuco. O açúcar foi exportado pelo Estado da Índia, porque havia um bom mercado na Pérsia. Em Baçaim havia quatro engenhos de açúcar, que refinavam a cana-de-açúcar produzida nas suas proximidades. Esta produção era geralmente fornecida para a demanda do Golfo, apesar de um grande volume ser enviado para o Guzerate e para Moçambique.

O comércio do açúcar entre Moçambique e Bahia não era muito rentável e os mercadores brasileiros se mostravam relutantes em investir no comércio direto com a Índia. Nestas circunstâncias desenvolveu-se um comércio ilegal entre Goa e Bahia, no qual toda a comunidade mercantil das duas cidades e seus dois vice-reis estavam envolvidos. Algumas fragatas utilizadas para levar mensagens importantes para Portugal, eram carregadas com cargas destinadas para o Brasil, mercadores goenses também poderiam fazer escala em Luanda, onde os tecidos indianos eram trocados por escravos e marfim.

A Coroa expressou seu desgosto por este comércio ilegal, mas havia pouco a fazer. Os capitães alegavam que por causa dos ventos ou de complicações durante a viagem, eles tinham que alterar a rota até a Bahia. Uma vez lá, marinheiros e capitães poderiam vender tecidos indianos., com melhor preço do que o trazido de Lisboa, em troca compravam tabaco e açúcar.

Como o comércio português cresceu focado no Brasil, o Estado das Índias estava se tornando uma subsidiária do comércio brasileiro. Isto não era só por causa do déficit do comércio com a carreira da Índia que tinha que ser financiado pelos benefícios do Brasil, mas por três outras razões:

1) durante operíodo Habsburgo muitas das famílias de mercadores (cristãos-novos) da carreira da Índia - como as famílias Lopes de Veiga, Brandão e Roíz de Lisboa - tinham correspondentes de negócios com Brasil. Os lucros do Brasil eram então investidos no comércio com a Índia - frequentemente sob uma severa pressão da Coroa. Para exemplificar, o principal mercador da carreira da Índia no século XVII, Manuel da Gama de Pádua, era diretor da Companhia do Brasil e também o principal mercador de Angola.

2) algumas famílias nobres portuguesas tinham propriedades em Portugal, Brasil e Índia, e atuavam tanto na carreira da Índia quanto na carreira do Brasil. Esses fidalgos mercadores, por exemplo, como as famílias Noronha/Mem de Sá, proprietários de grandes latifúndios em Sergipe. Vindos de Goa, o Conde dos Linhares e sua mulher, Dona Inez de Noronha, ainda mantinham negócios com a Índia de pedras preciosas e mobiliário.

3) os vassalos da Coroa portuguesa em Goa estavam envolvidos em negócios com o Brasil. Por exemplo, Luís Mendonça de Furtado, Francisco de Lima e Diego de Fonseca tinham em 1671 concluído uma parceria: seu agente Manuel de Castro vendia tecidos do Coromandel e do Guzerate para o governador de Moçambique, que repassava escravos e ouro. Parte dos rendimentos era destinado para subornos com objetivo de excluir competidores do mercado. Esses lucros eram investidos em açúcar na Bahia, que poderia ser para Portugal.

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