Os vietnamitas são descendentes de duas tribos que viviam ao sul do rio Yangtze (Yangzi Jiang/Chang Jiang), Lạc Việt e Âu Việt, que pertenciam ao grupo cultural conhecido na China como yue. No século III a.C., os Lạc Việt e os Âu Việt fundaram em conjunto o reino Âu Lạc, considerado o primeiro Estado da história vietnamita.
No século II a.C., o reino de Âu Lạc foi conquistado pelos chineses da Dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.), iniciando um ciclo de mais de dez séculos de colonização chinesa (111 a.C-939 d.C.). Os chineses controlaram os distritos, porém o poder de fato estava nas mãos dos líderes comunais. As vilas mantinham quase que intactas suas tradições, modo de vida e cultura. A luta do povo vietnamita pela sua emancipação nutriu uma imensa vontade de controlar o seu país, proteger sua cultura e sua raça.
Com a conquista dos territórios yue, os han descobriram uma civilização rizícula pouco diferente da sua, o que facilitou a implementação do sistema chinês de administração. A região do delta do rio Vermelho não presenciou uma chegada massiva de imigrantes chineses. Pode-se afirmar que o Fujian já havia absorvido boa parte das populações han voluntárias à imigração. O Império Han não tinha estrutura suficiente para novos movimentos populacionais e por fim colonizar o norte do Vietnã. Chegaram apenas alguns mandarins em meio uma vasta população yue, o que ajudou a conservar a identidade étnica da região.
Imagem: Império Han
Fonte: EBREY, Patricia, Buckly, Cambridge Illustrated History of China (Cambridge: Cambidge University Press, 1999).
Se a cultura vietnamita foi extremamente influenciada pela cultura chinesa, o Vietnã conservou uma composição étnica maioritariamente yue. Diferentemente de seus vizinhos cantoneses, que são fruto da miscigenação entre os yue e os han, os vietnamitas passaram a classificar-se como kinh, cultivando sua diferença étnica e desenvolvendo um sentimento nacional independente. Este ponto é essencial para compreender a identidade distinta que emergiu dentro da elite sino-vietnamita. Ou seja, nos territórios onde hoje encontram-se as atuais províncias chinesas do Fujian e do Guangdong houve uma grande miscigenação que ajudou a incorporação das populações yue da região ao Império Chinês - os próprios cantoneses orgulham-se por ser descendentes dos Tang (época onde vieram as principais vagas colonizadoras) e do cantonês ser o "dialeto" mais próximo ao chinês antigo; na verdade esta atitude é um mecanismo de defesa contra as minorias étnicas da região. Entretanto, o Vietnã, durante o período de domínio chinês, recebeu poucos imigrantes han, assim apesar da receber uma grande influência da cultura chinesa, pode desenvolver uma identidade e um conceito de nação próprios.
A relação entre Vietnã e China evoluiu ao longo dos séculos em função dos ciclos dinásticos do Império Chinês. Durante o período de usurpação do trono chinês por Wang Mang (9 d.C-23d.C.), o Império enfrentou várias crises interiores que possibilitaram o surgimento das primeiras rebeliões no Vietnã. Até a independência do país, as revoltas vietnamitas foram paralelas aos períodos de fraqueza do Império Chinês. Quando ocorriam crises e trocas dinásticas na China, os vietnamitas aproveitavam para rebelarem-se contra o julgo chinês.
Com a Dinastia Tang (618-907), o poder chinês controlou as revoltas e voltou a anexar o norte do Vietnã, conhecido como Annam (Sul Pacífico). O Império Chinês teve que manter um exército muito grande para manter a paz civil e evitar invasões dos cham e do reino tibeto-birmano Nanzhao. O custo de manutenção deste grande exército contribuiu para agravar a crise econômica que levou ao enfraquecimento da Dinastia Tang. Em 868, com a falta de pagamento dos salários, o exército estacionado na fronteira com o reino Nanzhao rebelou-se dando início à uma guerra civil. A China dividiu-se em diversos principados que reivindicavam o poder imperial, mas que não controlavam mais do que uma ou duas privíncias. Durante esta época conturbada, os vietnamitas lutaram por sua emancipação. A independência do Vietnã ocorreu em 939, depois da vitória de Ngô Quyền, às margens do rio Bạch Đằng.
Imagem: Império Tang
Fonte: Fonte: EBREY, Patricia, Buckly, Cambridge Illustrated History of China (Cambridge: Cambidge University Press, 1999).
A Dinastia Song (960-1278) tentou reconquistar o norte do Vietnã. É provável que os imperadores Song não diferenciassem a antiga província de Annam das outras regiões rebeldes do sul da China. Com a derrota da expedição punitiva de 981, os Song reconheceram o Vietnã como um Estado vassalo. Os imperadores Song perderam o interesse pelo Vietnã e tornaram sua atenção para a fronteira norte do império - preocupados com o avanço mongol. Sua dinastia acabou em 1279, com o estabelecimento da dinastia mongol Yuan; numerosos civis, militares e funcionários chineses partiram para o exílio, muitos foram para o Vietnã, onde a dinastia indígena Trần (1225-1400) os autorizou a instalarem-se definitivamente.
Do século X em diante, o espírito comunal e a soberania nacional desenvolveram-se para a formação de um Estado-nação. A ênfase na terra-natal é a essência da cultura vietnamita, trata-se de um conceito não encontrado na doutrina confuciana , que descreve o comportamento do homem perante o "Céu", definindo seu papel na comunidade e não num país ou tera-natal.
A base da ideologia sociopolítica confuciana é o respeito do filho perante o pai, do súdito perante o líder e da mulher em relação ao marido. Mas no Vietnã, essas “obrigações” dividem-se entre pequenas e grandes. As pequenas são o respeito e a obediência aos pais, enquanto a grande é a devoção à sua terra-mãe e ao seu povo. “Lealdade” significa crença no país, nos direitos e interesses do Estado-nação. O conceito vietnamita de Estado-nação está relacionado com a terra-mãe ou a terra-natal. Sucessivas invasões contra o Estado independente do Vietnã por parte dos chineses, serviram para fortalecer o espírito de soberania nacional.
Mais tarde os chineses tentaram reconquistar o norte do Vietnã, o Imperador Yongle, com a desculpa de retirar um usurpador do trono vietnamita, enviou uma expedição com um propósito bem definido: reconquistar a província de Annam. Assim os Ming poderiam restabelecer seus direitos históricos, baseados nas fronteiras estabelecidas durante a Dinastia Han, quase 1500 anos antes. Entre 1407 e 1427, o exército chinês ocupou o Vietnã, com o pretexto de ajudar a Dinastia Trần controlar a rebelião que assolava o reino. Os senhores Lê lideraram as tropas que derrotaram a força de ocupação chinesa Ming e fundaram a Dinastia Lê Posterior (1428-1592). Os Qing se envolveram num episódio fatídico quando tentaram reconquistar o Vietnã. Após o início da Rebelião Tây Sơn, em 1771, o imperador Lê pediu ajuda aos seus suseranos chineses e em 1788, os Qing enviaram uma expedição punitiva contra os Tây Sơn. Tratava-se de uma boa oportunidade para o Império Qing conquistar o seu vizinho Vietnã, mas as tropas chinesas foram derrotadas pelo exército do Imperador Tây Sơn, Quang Trung, forçando os chineses a reconhecer a dinastia usurpadora.
Imagem: A lenda conta que no inicio do seculo XV, durante a ocupação Ming, o general Lê Lợi recebeu de uma tartaruga dourada, uma espada mágica. com a ajuda desta espada, Lê Lợi expulsou os chineses e tornou-se o Imperador Lê Thái Tổ. Posteriormente a tartaruga reapareceu no parque e pediu sua espada de volta. Desde então, o lago ficou conhecido como Hồ Hoàn Kiếm, ou o Lago da Espada Restaurada (Hanói, Vietnã).
Fonte: Diogo Farias
Desde muito, os vietnamitas mantiveram uma identidade claramente distinta, cultivando um forte sentimento nacional. Depois de conseguir sua independência, não rejeitaram os elementos da cultura chinesa, importados depois das primeiras invasões dos exércitos Han. Casamentos entre mulheres vietnamitas e soldados, funcionários ou exilados políticos chineses ajudou a desenvolver uma elite sino-vietnamita e uma perspectiva própria da civilização chinesa, através de um ponto de vista regional influenciado pelo legado indígena. Os vietnamitas assimilaram técnicas e conceitos chineses, integrando-os à sua visão de mundo. No próximo post, veremos mais detalhadamente a influência chinesa na organização política vietnamita.
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