segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Camboja, 1779-1863

Esse período da História do Camboja foi marcado por perdas territoriais, desordem política e guerras. As frequentes invasões das duas potências da região, Sião e Vietnã, causaram instabilidade, o enfraquecimento das instituições do reino e graves efeitos em sua economia. O reino perdeu território, população e, consequentemente, renda; em desespero a corte aumentou os impostos, porém esta medida fez com que os líderes regionais, que dominavam a população, se rebelassem contra o poder central. Facções rebeldes eram ao mesmo tempo causa e consequência da instabilidade política do reino. A desordem no Camboja atraiu os regimes recém-consolidados de Bangcoc e Huê, que ofereciam assistência à uma das facções cambojanas, aumentando o clima de instabilidade. O preço desta ajuda era alto, cobrava-se território, mão de obra e influência nas decisões da corte. Do ponto de vista do Camboja, a principal característica deste período foi a decadência.


Disputas entre facções rivais dominaram a corte do Camboja; durante o século XVIII, cerca de nove reis - cinco deles reinaram por mais de um único período - ocuparam o trono por apenas alguns meses. Os membros da corte que faziam parte da oposião fugiam para terras desocupadas no delta do Mekong, às vezes sob proteção do Sião, com o objetivo de formar tropas e conquistar o trono do Camboja. No final do século XVIII, os siameses influenciavam a corte cambojana, conduziam invasões e entronaram um "monarca fantoche", para assim dominar o reino.

Em 1779, o príncipe Ang Eng foi escolhido rei de um Estado onde o governo era conduzido por conselheiros pró-siameses. No final do século XVIII, o Vietnã estava devastado por uma guerra civil, a Rebelião Tay Son (1771-1802), e foi forçado a concordar temporariamente com esta situação. Nos próximos oitenta anos, apenas outros três monarcas, todos descendentes diretos de Ang Eng, ocuparam o trono. Esta estabilidade, entretanto, não foi acompanhada pelo poder real do monarca que, até a década de 1840, continuou a ser influenciado pelo Sião ou Vietnã.

Em 1794, Ang Eng viajou à Bangcoc para ser coroado por oficiais siameses, este tratou-se de um evento sem precedentes na História do Camboja. Pouco tempo depois, a corte siamesa indicou o oficial cambojano pró-Sião, Ben, para governar as províncias de Battambang e Angkor. Estas permaneceram sob administração siamesa - governada por Ben e seus descendentes - até que fossem restauradas pelo protetorado francês do Camboja, em 1907.

Quando Ang Eng morreu, em 1796, os siameses não indicaram um sucessor, mas continuaram a comandar o Camboja através de oficiais cambojanos indicados pelo Sião. Em 1805, o filho de Ang Eng, Ang Chan, foi coroado em Bangcoc. Ao retornar à sua capital, Ang Chan logo foi reconhecido pela recém-constituída dinastia Nguyen do Vietnã. O imperador vietnamita Gia Long, seguindo as práticas diplomáticas sino-vietnamitas, respondeu enviando à Ang chan um selo da corte vietnamita reconhecendo a condição do monarca cambojano. Nesta época, foi estabelecido que o Camboja pagaria um tributo quadrienal para a corte vietnamita. Esta via a relação tributária como uma forma de"civilizar" o Camboja, que, frente à crescente força do Vietnã na região e da necessidade de equilíbrio em relação à hegemonia do Sião, não tinha nenhuma outra alternativa.

Três dos irmãos de Ang Chan permaneceram em Bangcoc sob custódia da corte siamesa e acompanharam a invasão siamesa sobre o Camboja de 1811, que retirou Ang Chan do poder por alguns meses. Em 1812, Ang Chan reassumiu o trono, auxiliado por tropas enviadas pelo senhor do Gia Dinh (região sul do Vietnã), Le Van Duyet. Em 1816, sua corte tornou-se um "pássaro de duas cabeças", pagando tributo à Bangcoc e para Huê. Não há muitas fontes sobre os próximos quinze anos. O silêncio sugere que o Sião e o Vietnã, preocupados com a ameaça que cada um representava ao outro, atingiram uma espécie de modus vivendi, talvez delimitando a esfera de influência de cada potência sobre o Camboja. O viajante inglês, que atravessou a região em 1823, relatou que o reino estava dividido em três partes - a porção vietnamita, a siamesa e o centro controlado pela corte cambojana.

Entre 1829 e 1832, ocorreram revoltas nas províncias que faziam fornteira com o Sião, nesta ocasião a corte cambojana acusou os oficiais de serem simpáticos aos siameses, e procurou desmantelar os acordos diplomáticos com o Vietnã e o Sião. Em 1833, o exército siamês, acompanhado pelos irmãos desafetos de Ang Chan, invadiu o reino. Durante esta expedição, os siameses conquistaram alguns territórios vietnamitas; em resposta, os vietnamitas invadiram o Camboja, expulsaram os siameses e restauraram Ang Chan - este morreu pouco depois, em 1834. Depois de sua morte, a corte Nguyen institucionalizou o Camboja como parte dos seus domínios e tentou administrar diretamente o reino, através de oficiais vietnamitas.

Os motivos vietnamitas para esta decisão continuam incertos, provavelmente estavam relacionados à recente morte de Le Van Duyet. Anteriormente, os Nguyen tinham receio de que a conquista do Camboja poderia fortalecer o senhor de Gia Dinh, portanto a invasão do reino vizinho só ocorreu após a morte de Le Van Duyet.

Em Phnom Penh, os vietnamitas instalaram a filha adolescente de Ang Chan como rainha. Confusa, a garota nomeou duas de suas irmãs como vice-rainhas e entregou seu governo ao domínio dos mandarins vietnamitas. Em contraste aos siameses, que no período no qual dominaram o Camboja governavam através de instituições cambojanas, os vietnamitas tentaram implementar sua burocracia e rapidamente revoltas surgiram por todo reino. Os cambojanos rebelaram-se contra o sistema de registro de terras, o censo e os altos impostos; entretanto outras características da administração vietnamita, como alterações no quadro burocrático e a troca do nome de algumas províncias, devem ter ofendido a elite burocrática.

Em 1841, depois dos Nguyen exilarem a rainha do Camboja, em Huê, e a prisão dos irmãos de Ang Chan, uma série de revoltas ocorreram no sul do Vietnã. Como resultado, quando as tropas vietnamitas lutavam contra os cambojanos, os siameses avançaram com a esperança de coroar o irmão de Ang chan, Ang Duong. Nos próximos três anos, as crônicas relatam que o povo vivia na miséria, enquanto siameses e vietnamitas, ajudados por facções cambojanas rivais, lutavam entre si. Nas negociações de paz, em 1846, ambos os lados concordaram em se retirar do território cambojano e aceitar Ang Duong como rei. O tratado marcou o reinício da influência siamesa na corte cambojana. Para selar o acordo, Ang Duong foi coroado em sua capital, em 1848, por representantes enviados pelo Sião e pelo Vietnã.

Ironicamente, Ang Duong dividiu sua lealdade entre o Vietnã e o Sião, como uma maneira de livrá-lo da influência de ambas as potências regionais. Uma das suas primeiras ações ao assumir o trono foi proibir o uso da terminologia administrativa siamesa. Em 1853, Ang Duong secretamente manteve contato com a corte francesa e escreveu uma carta à Napoleão III, na qual oferecia respeito em troca de amizade. Os presentes que acompanhavam a carta foram perdidos durante a viagem e com eles a oportunidade para os franceses interfirirem na região. Ang Duong interpretou o silêncio de Napoleão em relação aos presentes como uma demonstração de indiferença. Em 1856, um oficial francês chamado Montigny foi ao Camboja negociar alguns tratados comerciais, mas Ang Duong recusou, pois anteriormente Montigny contou-lhe sobre seus planos com o Sião. Encorajado a aceitar a França como aliada, Ang Duong disse: "O que você quer que eu faça? eu já possuo dois mestres, que sempre mantem seus olhos fixados no que eu faço. Eles são meus vizinhos e a França está muito longe". O monarca poderia ter aceito as garantias informais dos franceses que fortaleceriam o seu poder em relação ao domínio siamês e vietnamita, mas a França, no final da década de 1850, já tinha outros planos em mente.

Quando Ang Duong morreu em 1860, foi sucedido por seu filho mais velho, Norodom. Durante os próximos cinco anos, Norodom enfrentou uma série de rebeliões dinásticas e religiosas, que enfraqueceram seu poder. Neste período, os franceses tentavam consolidar seu poder no delta do Mekong, quando o fizeram, no final da década de 1850, começaram a se interessar pelo Camboja, cujo potencial econômico era considerado enorme. Norodom aceitou seus presentes e a atenção prestada pelos oficiais da marinha francesa. Em 1863, Ang Duong assinou um acordo com os franceses no qual aceitava sua proteção - os franceses herdaram a suserania praticada pelos vietnamitas, quando iniciaram a conquista do Vietnã, a partir de 1858. Norodom neutralizou essa ação negociando um protocolo secreto com o Sião, prometendo lealdade em troca de ser coroado rei do Camboja. Nesta proposta, os siameses seriam tutores e protetores da monarquia cambojana. Convidado pelo rei Mongkut a ser coroado na capital siamesa, Norodom, em 1864, ouviu dizer que os franceses haviam dominado seu reino enquanto o monarca viajava pela costa. O controle francês instaurou-se menos de um ano depois.

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